quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Não como frutos do mar/rio pois TODOS tem o mesmo gosto, que me é desagradável. Minha mãe me disse que quando pequeno vi ela comendo um caranguejo peludo e vomitei. É possível algo assim? Se for, tem tratamento?

POSSÍVEL, É. Não sei se é o seu caso, não lhe conheço e as coisas não são matemáticas assim, mas PODERIA ser.
Mãe comendo "caranguejo peludo" é por demais explícito e edipiano, ainda mais se algum dia anterior você teve outro tipo de visão ou exposição. Não é preciso ser muito freudiano para perceber as alusões genitais de um caranguejo peludo na boca. Se algum dia você viu, na infância, mulheres nuas, ou até mesmo atos sexuais, mesmo sem querer, poderia vir a ter uma aversão a imagens que remetessem a esse tipo de oralidade sexual. Não é difícil para uma criança generalizar isso a tudo que esteja indiretamente associado a caranguejos, bichos aquáticos e similares. Fobias nascem exatamente assim. E a associação fóbica nem precisaria ser tão freudiana. Uma frase infeliz do tipo "o caranguejo vai te pegar", ou associações ao mangue ou à sua sujeita, também poderiam ser mal representadas pela criança, explicando a fobia. A questão não é o que nós, adultos, achamos relevante ou não; mas sim o que A CRIANÇA considerava traumático. Uma brincadeira infeliz dos pais faz estragos por décadas, vejo todos os dias na clínica.

Por outro lado, muitas pessoas não gostam de frutos do mar, sem necessidade de associações eróticas ou psicanalíticas para explicar. Não há obrigação de comê-los. Mesmo que a origem de sua aversão tenha causa na infância, qual gosto ou aversão não é também, em algum grau, fruto de nossas experiências passadas, e boas ou má associações a cada sabor? Não é comum alguém adorar uma comida simples, caseira, mas que lembre de algum aspecto de sua infância?

Portanto, saber se "tem tratamento" implica mais em saber se você QUER tratamento. Se você QUER passar a gostar de algo que hoje não gosta. Ou se independente do que vai comer ou não, tem real interesse em se conhecer, em não ser limitado por experiências traumáticas passadas, seja por qual motivo for. Se você de fato deseja isso, certamente há sim maneiras de você não ter resistências fóbicas ao comer - tanto pela via psicanalítica (causas profundas), quanto pela via cognitivo-comportamental (mudança de crenças e comportamentos atuais). Agora, se você vai passar a GOSTAR daquilo que hoje não gosta, mesmo não tendo jamais feito associações positivas a isso (você nunca comeu), isso não posso garantir, porque GOSTAR ou não de algo é uma experiência muito subjetiva, íntima, pessoal, única. Ainda bem.

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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Me julgava ateu e usando LSD tive uma experiencia espiritual. Tenho lido bastante sobre isso ultimamente,e várias coisas fazem sentido, parece que não sei o que seguir. Isso tem me deixado bastante ansioso.Tenho pensado em fazer yoga e tal, como proceder?

O primeiro passo é procurar uma escola de yoga com a qual se identifique. Há várias. No fundo, no fundo, não há tantas diferenças assim entre elas.

Sou particularmente contrário ao uso de substâncias alucinógenas - daime inclusive - para a obtenção de estados "espirituais". Não creio que Deus tenha escondido a iluminação em compostos químicos psicoativos, acessível apenas àqueles que alterarem abrupta e violentamente a configuração de seus neurotransmissores cerebrais. Mas sim, acredito que algumas experiências inquietantes possam advir deste estado alteradíssimo, bem como há relatos de que também ocorram no coma, na anestesia profunda, em acidentes graves e na experiência de quase morte. Morrer parece ser muito espiritual.

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domingo, 26 de setembro de 2010

Lázaro, você consegue ter uma experiencia de projeção da consciencia todos os dias ou as suas acontecem com intervalos? Você mantem um diário ou caderno de anotação para registrar as experiências mais significativas?

Todos os dias, nunca. No período mais ativo, uma a três experiências lúcidas de estado alterado de consciência por semana (incluindo aí projeções, mas talvez não só). No menos ativo, uma a três por ano.

Tenho um caderno de sonhos e projeções, mas raramente tenho anotado lá. Os sonhos, trato em terapia semanal. As projeções, dificilmente esqueço. Coisas importantes gravo no meio da noite, no celular.

Não tento mais me projetar, as centenas foram de bom tamanho. Hoje busco mais experiências de EU SOU do que as de EU ESTOU, eu "faço", eu "ajo", eu "ajudo", eu "vou", eu, eu, eu...

Nada contra as projeções ativas, muito pelo contrário, foram um estágio indispensável, e ocasionalmente acontecem espontaneamente. Na fase atual, quando me vejo em estado alterado, se me é possível escolher (nem sempre é), agora tento contemplar, ser passivo e me fundir ao TODO e ao NADA, chegar à beira do Abismo do Ser, para um dia ter coragem e seguir adiante na Noite Escura da Alma tratada por São João da Cruz.

Relato uma dessas experiências diante do NADA em "Neti-Neti, do Samadhi ao Nada", disponível em minha coluna de textos: http://migre.me/gqV

Se parecer inexato, melhor. Não é como um relato projetivo. Diante do todo e do nada, não há representação possível. A única linguagem possível é, talvez, a poética. Embora o SILÊNCIO seja talvez a melhor opção.

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Qual e o sentido da vida?

1) Olhe, uma montanha!!!
2) E então você percebe que nunca houve montanha alguma...
3) Só então você de fato vê a montanha.
(meditação taoista)

Empirista, racional-idealista ou numinoso-fenomenológico? O sentido da vida é descobrir o sentido da vida. É uma práxis, um ato cujo fim se encerra na própria ação, algo que se justifica por si. É perceber-se único e Deus. Mas, em sendo, perceber a pluralidade de deuses no Outro, também. E ao mesmo tempo perceber que todos, ainda que únicos, são aspectos projetados do mesmo Eu e Deus. Só então você vê de fato a montanha.

O sentido da vida consiste em viver. Para, no momento último diante da noite escura da alma, possamos ter a lucidez de sabermos tudo e nada ao mesmo tempo. Espero ter possibilidade de contemplar.

"Ó Deus, permita que eu esteja vivo no momento de minha morte" (Oração de Donald Winnicott)

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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Existe isso de pensamento compulsivo? Como identificar se possuo? E afinal como tratar?

Pensamentos automáticos e recorrentes, sim. O nome técnico é "obsessão". Há alguns transtornos mentais envolvendo a ocorrência de pensamentos sem controle e com prejuizo, dentre eles o "transtorno obsessivo compulsivo" e o "transtorno de stress pós-traumático", por exemplo.
Já "compulsão" é um termo mais usado para atos que fazemos visando atender a uma obsessão (pensamento), geralmente de modo ritualístico.
No uso popular, e até mesmo em alguns ramos da psiquiatria, utiliza-se equivocamente o termo "compulsão" para alguns atos repetitivos. É um erro de tradução. O correto seria chamá-los de atos impulsivos. Atos compulsivos seriam apenas aqueles que tentassem atender a ordens dadas pelos pensamentos - que no caso seriam "obsessivos", e não "compulsivos" ou "impulsivos".

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Você conhece Roberto Freire e sua teoria? E sua abordagem Somaterapia? Se sim, o que pensa a respeito?

Li alguns livros dele na década de 80 e 90. Nos anos 90, eu trabalhava mais com Gestalt e PNL. Da década de 2000 para cá, passei a trabalhar mais com o inconsciente. Faz tempo que li, e não tinha a base que tenho hoje. Não me sinto em condições de emitir um parecer. Gostava dos livros, na época, não muito mais (ou menos) do que isso.

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A teoria de que Dragões, Magos Negros, Feiticeiros controlam os bastidores da política e dos meios de comunicação (principalmente televisão e internet) são alguns dos temas abordados na obra de Robson Pinheiro - A marca da besta. O que pensa sobre isso?

hahahahahahaha hahahahahaha hahahahahaha hahahahahaha
Dragões?
hahahahahaha hahahahahahaha hahahahaha hahahahaha hahahahahaha
A mando de quem, de Lúcifer? :-)

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domingo, 12 de setembro de 2010

Você conhece a si mesmo?

Não. A diferença é que sei que não sei. E tento conhecer. Já é mais que uma maioria que pensa que é aquele que chama de "eu", e que pensa que sabe o que as coisas do céu e da terra são. Prefiro a metamorfose ambulante àquela velha opinião formada sobre tudo, na maioria das vezes ancoradas por crenças e religiões.

Faço análise todas as semanas e filosofia todos os dias. A cada passo dado, aumenta a compreensão do tanto que não sei. Filosofia é o único curso onde todos entram "filósofos" e saem alunos. Projeto-me para o vazio, e ele e o infinito se tornam um só. Entretanto, nesse movimento para o nada posso tudo, e recupero a cada dia um pouco do que sou a partir do que estou, para que possa estar mais aquilo que sou.

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Como a psicanálise e a filosofia vêem o ciúme e o apego excessivo? Como você analisa isso na vida contemporânea e como lidar com estes sentimentos, tanto quem é alvo quanto para quem é portador? Obrigado. Gosto muitíssimo de suas respostas.

Tanto a filosofia quanto a psicanálise vão, em geral, recomendar a ponderação. Vários autores filosóficos apontariam o "apego" e o "excessivo" como os principais problemas da atitude.

Em se tratando de psique, compreendo o ciumes como uma emoção. Emoções são necessárias e POSITIVAS, servem para a preservação das espécies. Sou simpático à psicologia evolucionista, compreendendo como os processos darwninianos afetam as neurociências, portanto eu diria que um pouco de cada uma dessas emoções são constitutivas e até mesmo necessárias. O problema está no excesso, que tende a ser patológico.

Tristeza é bom e importante para elaborarmos lutos e reavaliarmos processos; o excesso dela com prejuizo funcional e/ou motivação inconsciente (desconhecida e inexplicável) é que caracteriza depressão ou melancolia. Ansiedade é bom para antecipar emoções, mas em demaisa gera transtornos e somatizações. Medo é importantíssimo para avaliarmos nossos limites, mas se tiver ação inconsciente torna-se fobia.

Sem um pouco de ciumes e valorização afetiva do que temos, colocamos em risco investimentos nada desprezíveis, sejam materiais ou emocionais. Mas em excesso, ou fantasioso, gerando calúnias, invenções de situações imaginárias, brigas, prejuizos afetivos e principalmente desrespeitos, temos uma situação que lembra mais a psicose, uma vez que envolve comumente DELÍRIOS e alucinações. É doença, embora a sociedade seja ligeiramente complacente com crimes (abrir correspondências e computadores, por exemplo) e agressões (físicas, morais, calúnias, difamações) que ocorram dentro de um relacionamento. Na minha opinião, não deveria ser. Crime é crime, insegurança é insegurança, e não há amor baseado em des-confiança e agressão.

Em relação a quem tem o comportamento agressivo, a psicanálise em geral investiga o passado de relações afetivas, e o presente da auto-estima. Cada caso é um caso, obviamente, mas muitas vezes o ciumento não tem confiança é em si mesmo, não no outro. Se alguém com quem me relaciono - afetiva, profissional, clinica ou pessoalmente - comigo demonstra sucessivamente não ter confiança em mim, costumo sempre acabar a relação, e sugerir (de coração) que procure uma outra pessoa mais honesta para se relacionar. Não há relação sem confiança, a meu ver.

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o que faria para erradicar a fome na África?

Seria um bom psicanalista e professor de filosofia.

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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Quais os 5 livros de Filosofia mais te marcaram?!

Creio que eu e você chamemos coisas diferentes pelo mesmo nome de "Filosofia". Eu não leio os livros de filosofia assim, como romances ou opiniões. Leio AUTORES dentro de seu contexto, com método, estudando antes o contexto histórico e como o pensamento do autor se encaixa nos problemas filosóficos de sua época; O senso comum às vezes pensa que estudar "filosofia" é uma espécie de compêndio pseudo-literário de frases de sabedoria, uma espécie de versão mais cabeça do curso de Letras especializada em obras de auto-ajuda ou "filosofias" (sic) de vida. Não é.

Eu gosto de autores que nem sempre escrevem bons livros, no sentido literário. O contrário também é verdadeiro, há penas mais comunicativas que não necessariamente são originais. Além disso, ao estudar a obra de um autor como professor, muitas vezes leio antes a história da época, depois resumos de comentadores sérios, depois diversos fragmentos diferentes de várias obras, e depois, quando há interesse no autor, uma ou outra obra inteira. Cada autor pode ter de 5 a 20 livros sérios, alguns bastante volumosos, e outros bastante densos (é preciso parar por tempos em cada capítulo). E eu poderia citar de cabeça uns 100 autores MAIS importantes na história da filosofia. Faça as contas. E não são todos que estudei.

Não consigo pensar em cinco obras mais importantes da filosofia. Até porque, seria quase impossível citar apenas CINCO filósofos dos mais importantes para se compreender minimamente a história da filosofia. Tentarei relacionar os dez filósofos mais importantes da história da filosofia: Sócrates, Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Descartes, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Freud, Sartre... Já foram onze, e não deu nem pra citar os pré-socráticos, Epicuro, Plotino, Abelardo, Avicena, Bacon, Lock, Hobbes, Hume, Berckley, Pascal, Rousseau, Espinoza, Schopenhouer, Husserl, Russel, Foucault, Willian James, Jung, Heiddegger, Deleuze, Ken Wilber, Hannah Arendt, e tantos e tantos outros...

Você quer os cinco melhores o quê? Livros de um autor? Autores de uma época? Fica difícil, a própria filosofia tem muito mais divisões do que cinco (metafísica & ontologia, teoria do conhecimento & epistemologia, antropologia, filosofia da mente, filosofia da ciência, cosmologia & filosofia da natureza, lógica, filosofia da religião & teodicéia, filosofia da linguagem, filosofia política, ética & filosofia moral, estética & filosofia da arte, etc, etc...). Cinco livros de uma área já seria difícil, a bibliografia básica de qualquer dessas disciplinas tem bem mais que cinco.

Se, contudo, não sabe bem o que é filosofia, nesse caso há vários livros de introdução. Recomendo (a todos, de todos os níveis) o GUIA ILUSTRADO ZAHAR DE FILOSOFIA para ter ao menos uma idéia do grande mapa e escopo do pensamento filosófico. Satisfação garantida.

Depois, dependendo do grau de interesse, partir para um comentador de história da filosofia (gosto da nova edição do Realle, em 7 volumes), ou mesmo um livro de segundo grau (a disciplina agora é obrigatória nas escolas). Para uma visão mais rasa, sugiro os livros de estímulo à filosofia, como o APRENDER A VIVER (pra não citar o manjado e rasteiro O MUNDO DE SOFIA). Para uma visão um pouco mais profunda, é preciso no mínimo o contato com alguns livros da coleção OS PENSADORES dos autores que mais lhe interessarem.

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Qual a sua definição de subconsciente? Existe como dominá-lo completamente?

Não existe SUBCONSCIENTE em psicologia analítica e outras linhas acadêmicas. Esse é um termo muito vago, impreciso e popular.

Já o vi usado como se fosse sinônimo inexato de "inconsciente", ou de "estados alterados", ou de "estado alpha", de uma certa mediuinidade, de instâncias coletivas da psiquê - ou até de um certo poder inteligente que mandaria na mente humana e nas demais. Nesse aspecto, é mais um termo de uma meta ou pseudo teologia moderna, uma construção de crenças de autores de certos livros ("O Poder do SUBconsciente", sic) do que algo delimitado em cima do qual se possa conversar, filosófica ou psicologicamente.

Em qualquer das hipóteses, detesto as palavras DOMINAR e COMPLETAMENTE quando falamos em psiquismo, especialmente de natureza INCONSCIENTE. O simples fato de pensar em DOMINAR algo desta natureza, seja qual for ela, já demonstra certas crenças (a meu ver equivocadas) a respeito do psiquismo, dos instintos, dos estados alterados e das emoções. Não se "DOMINA" essas coisas, pensar assim implicaria que fossem algo externo, menor e malévolo, passível de controle, de certo modo quase incômodo, uma espécie de doença ou área mal comportada... Nada mais distante da verdade.

Pretender "dominar completamente" já é um equívoco a priori, geralmente trazendo consequências neuróticas graves a quem tenta a façanha de colocar seu dedinho para tampar os vulcões. Seja o que for que esteja além do ego conhecido, parece que faz parte de nós, ou talvez o contrário. Penso que CONHECER, INTEGRAR - e, talvez, RELIGAR - sejam verbos bem mais honestos e saudáveis para lidar com algo muito maior que aquilo que achamos que conhecemos como nós mesmos e batizamos pretensiosamente de um EU. Um ego que pensa controlar totalmente tudo que não conhece é bem mais caricato que o porteiro que pensa ser o dono do prédio.

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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Vc utiliza o tarot?

Para adivinhação, você diz? Não.

Mas uso para estudos arquetípicos, mitos, sonhos e símbolos. Junguianamente. São excelentes representações de situações arquetípicas do inconsciente coletivo. Vários pacientes relatam sonhos arquetípicos, que batem com situações representadas nas lâminas, mesmo que não as conheçam. Importante dar conhecimento a ele, e ver com que aspectos dos mitos associados ele se identifica mais. Acaba sendo uma forma de amplificar a associação livre dele, já orientada por uma seleção prévia de seu próprio inconsciente.

Tenho também, extra clínica, um grupo de estudos e práticas associada a paganismo, jung, tarot e rituais. Eu e a Liege Campos (bruxa e junguiana) o coordenamos. Ali trabalhamos o tarot de um outro modo, mais ritualístico e vivencial, um por encontro, inclusive com dinâmicas, quase como estágios iniciáticos de uma jornada de auto-desenvolvimento.

De todo modo, aquele tipo de uso de tirar a carta para saber se a pipoca do microondas vai estourar em 4 ou 5 minutos, se um romance de verão vai dar certo ou não, se meu chefe vai gostar de mim ou não, não uso. É possível, talvez, mas acho que isso é subutilizar e vulgarizar demais uma ferramenta muito maior. E, convenhamos, esse uso fica totalmente desnecessário para quem faz terapia séria semanal. Afinal, o tarot no máximo faria a pessoa refletir nas origens e possibilidades de seus (próprios) "problemas". Pode ajudar a refletir sobre o inconsciente, mas não deveria ser maior do que nossa própria reflexão e atitudes.

Conheço algumas tarólogas sensacionais, mas são antes de mais nada excelentes pessoas, com uma grande capacidade de empatia e de leitura de psiques. São acolhedoras, aconselhadoras, inteligente emocionalmente. No fundo, portanto, seu tarot é só uma ferramenta intermediária. É a boa taróloga quem percebe inconscientemente os motivos por detrás das perguntas, e dá às cartas uma melhor interpretação. Ou seja, o tarot serve como uma terapia rápida e popular para quem não faz. Mas não substitui, a meu ver, um trabalho junguiano ou psicanalítico mais profundo.

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Filosofia Clínica é melhor que psicanálise? Uma pessoa da filosofia me disse que psicanálise serve apenas para algumas pessoas, e que é extremamente muito mais demorada. Qual sua opnião?

São coisas diferentes, e que podem se complementar. Eu, particularmente, sou um psicanalista que estudo filosofia - e muitas outras coisas. Lamentável se um, para vender o seu, tiver que dizer que o outro não serve. Na verdade, a Filosofia Clínica é que tem um público bem menor. Mas as duas áreas são muito próximas, e deveriam celebrar mais as suas grandes semelhanças do que se degladiarem por pequenas diferenças. Psicanálise está para Filosofia e vice-versa, e menos para a Medicina.

O que levanta suspeita na competência de quem lhe disse isso é a afirmação de uma ser "demorada" e a outra "rápida". Isso não combina com práticas que tendem a ser um processo contínuo, filosófico existencial, e não um pit stop para consertar a psique doente de alguém. Psicanálise não tem como ser lenta ou rápida, porque não é panacéia, nem "terapia". Não "conserta". Não é pragmática, não tem um resultado a obter em 4 semanas. 

Quem quer resultado imediato deveria procurar um psiquiatra, por vários motivos. Norte americanos pensam assim, que tal um comprimido que eu engula e resolva meus problemas? Ou uma sessão milagrosa de PNL ou cognitivo-comportamental, me "curando" em 8 sessões sem precisar adentrar nas causas? De fato, psicanálise não é para pessoas que pensam assim, mas FILOSOFIA menos ainda. 

Psicanálise e Filosofia são para as pessoas que cansaram de quebrar a cara em soluções imediatistas assim, e tem coragem de adentrar um pouco mais nas partes delas mesmas que nunca quiseram ver. E não tem prazo. Assim como praticar yoga e musculação é um cuidado para com o físico, a psicanálise é também um hábito de cuidar semanalmente da psique. Eu faço há muitos anos a minha, por exemplo, e não é porque eu sou um profissional da área que desejo parar de me cuidar. Pelo mesmo motivo que não faria sentido um professor de educação física gordo e que nunca faça práticas esportivas.

Estive no penúltimo congresso de Filosofia Clínica em Curitiba, com o Lúcio Pakter e todos mais. Acho muito interessante. Mas notei lá que há muito desconhecimento - e até um certo preconceito - em relação à psicanálise por parte de uma maioria de praticantes menos informados que os fundadores. Vi que debatem problemas de técnicas, transferência, contratos clínicos, psicopatologias como se fossem quase inéditos, infelizmente ignorando contribuições que 100 anos de práticas clínicas de diversas linhas já trouxeram.

Outra coisa que notei no congresso é que a maioria dos praticantes de filosofia clínica NÃO SÃO FILÓSOFOS. Eu estranhava algumas posições mais radicais, coorporativistas ou falaciosas que seriam pouco esperadas de alguém que tivesse sobrevivido a uma faculdade de filosofia, lidando com tantos pensamentos diferentes. Quero crer que quem disse isso a você seja um desses, menos esclarecidos, e não um dos excelentes fundadores e divulgadores das possibilidades da Filosofia Clínica.

Por fim, é bom esclarecer que FILOSOFIA CLÍNICA (a do Pakter e da Ayub) é uma excelente técnica e codificação de base clínica que usa a filosofia como base, mas não é nem deve ser a única forma de acrescentar FILOSOFIA e preocupação existencial na clínica de psicoterapia. Pakter usa um segmento muito específico da FILOSOFIA, faz suas escolhas dogmáticas, a partir de Aristóteles, fenomenologia e outros recortes. Eu gosto, mas certamente faria recortes diferentes. Há muito mais na filosofia que não foi selecionado por ele, por não ser aplicável à SUA técnica em particular. 

OU SEJA, há inúmeras outras formas de se aplicar FILOSOFIA à prática clínica, em especial à psicanalítica e humanista. Eu, particularmente, utilizo BASTANTE dos autores filosóficos que estudo na abordagem clínica que faço. Mesmo sem classificar pela técnica específica de Pakter, suas categorias e filosofia clínica - com quem aprendo também. O importante é estar ABERTO para tudo, pegando o que for bom. Eu particularmente trabalho com autores como Donald Winnicott, Victor Frankl e Ken Wilber, além do próprio Jung, cujos pensamentos necessariamente embutem na clínica a presença de questionamentos filosóficos e existenciais.