sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A capacidade de ver aura auxilia nos nos seus tratamentos?

Não.

O papel de um analista NÃO É o de fazer julgamentos sobre o paciente. A minha "opinião" - natural ou paranormal, dedutiva ou preconceituosa, material ou espiritual - sobre a aparência da pessoa analisada NÃO IMPORTA. Por mais que exista. Aliás, seria um desrespeito utilizá-la, supondo que nem sempre seria favorável. O paciente tem o direito de ser aceito integral e incondicionalmente AO MENOS ALI.

Além do mais, religião e crenças são assuntos de fóro íntimo. Se um psicanalista tem o direito de ser católico, ateu ou judeu, também o tem de ser espiritualista ou o que quiser ser. Desde que, em todos esses casos, a crença dele (ateísmo inclusive) não adultere o trabalho de observar e interpretar o que o paciente traz de seu inconsciente (fenômenos ditos espirituais inclusive). Observe que um suposto julgamento meu acerca da "aura" do paciente não seria exatamente algo que ELE trouxe, dentro do simbolismo DELE.

Evidentemente, o fato de eu ser espiritualista, ter especialização em filosofia da religião, conhecer de mitologia e de várias manifestações religiosas e espirituais facilita (e muito) o meu diálogo com pacientes que usem ELES essas linguagens. Consigo perceber o que há por detrás de certos simbolismos de sonhos e visões (do paciente!), uma vez que sei o que estes significam em seu contexto. Isso me dá um diferencial sobre psicoterapeutas não espiritualistas e não religiosos quando preciso lidar com substratos inconscientes presentes na fenomenologia religiosa e espiritual. Tendo percorrido bastante esses caminhos, também tenho alguma capacidade de discernir entre o que é mais fantasioso, o que é mais simbólico e o que parece ser mais transcendente de fato. Mas isso não quer dizer que EU vá "receber o santo" em meu divã, risos, ou sair adotando "tratamentos" mágicos ou "mediúnicos" em que o MEU inconsciente substituiria o do paciente. Espiritualista ou não, sou o ANALISTA; o papel de analisado e produtor de material inconsciente é dele.

Se eu "acho" algo, devo tratar isso em MINHA terapia. Não sou um personal-vidente ali, e mesmo se fosse, a PIOR coisa que um psicoterapeuta pode fazer é dar conselhos e dicas para a vida alheia. Quando isso ocorre, há dois neuróticos na sala, o que confia sua vida à subjetividade de alguém (mesmo em um espaço onde foi teoricamente para conhecer a SUA própria)... E o outro, pior ainda, que se alimenta da dependência alheia para se sentir "o" conselheiro, "o" vidente, "o" resolvedor de problemas, "o" oráculo psíquico e espiritual "profissional". Teríamos dois casos graves de baixa-auto-estima em conluio.

Deixemos esse tipo de intervenção para a religião e para os amigos. Ambos tem papel importantíssimo na nossa vida, conselhos tem seu lugar. Mas isso não pode nem deve invadir o setting terapeutico, onde o que acontece é OUTRO TIPO DE TRABALHO, mais parecido com um espelho. O analista interpreta, traduz o insconsciente para o consciente, mas o tema precisa ser aquilo que o paciente for capaz de enxergar.

Sei que há alguns "terapeutas" que se aventuram em vender sua espiritualidade ou supostos poderes paranormais durante o tempo da sessão. Não quero julgá-los, mas entendo que isso não seja psicanálise, nem psicologia junguiana, nem nenhuma psicoterapia validada e comprovada, devendo ser encarada mais dentro do terreno da religião e "terapias alternativas" do que da psicologia e psicanálise que dialoguem de modo sério com o transpessoal.

Quero deixar registrado que religião é importante, mas não substitui a terapia séria ou psicanálise, especialmente para quem dela PRECISA. Nada contra quem crê ir buscar um médium, uma religião, um tarólogo ou um vidente para certas questões, só não o chamem de psicoterapeuta.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

Em sua vida, há algo que aprendeu apenas com a idade, com o passar do tempo? Há algo que gostaria de ter feito, caso tivesse a cabeça que tem hoje, porém em corpo mais jovem?

Experiência é um pente que te dão quando você já está careca, é um farol de milhas que instalam na traseira do carro apontando para a estrada que já passou.

Evidentemente, gostaríamos todos de ter mais maturidade emocional na juventude. Fico pensando como poderia ter sido minha vida, meus amores, minha carreira, minha família, meu patrimônio, minhas realizações se eu tivesse apenas uns 10% a mais de maturidade emocional para o óbvio, para o que já estava em meus sonhos, para o que meu inconsciente já apontava e eu não via. Mas isso é o problema de todos, e isso é o tipo de coisa que descobrimos em terapia.

Por isso, a única coisa que desejaria MUITO ter feito 10 ou 20 anos antes era psicoterapia séria. O resto seria consequência. Perdemos muito tempo tentando perceber o óbvio que no fundo já sabiamos. Há questões infantis que só resolvi há pouco tempo, outras talvez eu nem tenha descoberto ainda. Não era necessário perder tanto tempo com algumas. Dá para descobrir isso aos 50 ou 80 por si só, mas eu preferiria ter feito terapia aos 20 e usado esse tempo vivendo para MIM - e não tanto para o desejo do Outro.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

O que acha deste recado de deus para os psicanalistas? Deuteronômio 13:6-12 Quanto ao profeta ou intérprete de sonhos, deverá ser morto, porque propôs uma revolta contra Javé seu Deus. :)

Fique tranquilo, este não é um recado de Deus, e sim de Moisés, o (suposto) autor do citado livro. Pelo jeito, Moisés mataria até mesmo José do Egito, famoso intérprete de sonhos da mesma Bíblia, poucos livros atrás.

Creio que os crentes do Estado Cristâmico demorarão a cumprir a ameaça e matar os psicanalistas. É que se seguirem as instruções do Pentateuco de Moisés, precisarão matar antes vários outros tipos de pessoas, inclusive os estrangeiros, membros de outras crenças, pessoas que aparam a barba, quem come moluscos e todos aqueles que trabalham no sábado, vide:


(Se bem que agora fiquei preocupado, pois sou psicanalista, interpreto sonhos, uso cavanhaque aparado, atendo aos sábados, não sou judeu, adoro frutos do mar e nasci em outro estado...)


Num caso de depressão leve, onde há muita tristeza, muito choro e negatividade (parcialmente justificável) mas ainda é possível trabalhar e levar o dia a dia, você acha que há necessidade de medicação? Estou cansada de ser triste todo dia.

Quem disse que a depressão é leve ou pesada, e por qual critério? Há um diagnóstico e acompanhamento médico/psicológico? Se não há, como dizer os limites e intensidade de sua depressão? Lembrando sempre que uma das coisas mais traiçoeiras sobre doenças psíquicas é que elas, por definição, quase sempre alteram o juizo do doente sobre seu próprio quadro e sintoma. Assim como não é quem bebeu que pode dizer se está apto ou não a dirigir, do mesmo modo as avaliações psicológicas alheias costumam ser mais seguras do que as nossas. O que as pessoas que gostam de você estão lhe dizendo (ou diriam) sobre seu quadro e comportamento? E os profissionais?

Se você tem MUITO choro e negatividade, pode ser que esteja deprimida. A questão é quanto isso lhe incomoda, que prejuízo isso lhe traz, e há quanto tempo está nisso. O sofrimento é proporcional ao motivo? Até que ponto ele está cumprindo a função da tristeza, que é de realizar um certo luto e reavaliação para não incorrer nos mesmos erros passados OU para renovar forças para o novo período? Ou ele já passou do ponto, e tornou-se um ESTADO de ser, já recursivo? O que você tem feito para mudar? Não dá para fazer uma avaliação por aqui, mas faça a você mesma essas perguntas, lembrando que TRISTEZA pontual e justificada não é o mesmo que DEPRESSÃO, que já envolve um certo estado de consciência, um HUMOR "deprimido", uma falta de motivação generalizada.

Sou completamente a favor de medicação quando a medicação é necessária, e sou completamente contra medicação quando medicação não é necessária. Parece óbvio, mas poucos seguem essa regra, que implica em atentar para o fato de quem define a NECESSIDADE de MEDICAÇÃO são profissionais especializados - e nunca um amigo, nem uma ginecologista, nem um clínico geral, e MUITO MENOS a própria pessoa!

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

Freud esta obsoleto? A psicanalise se renovou desde Freud? Ou algumas coisas se constataram e outras foram descartadas? O quanto Freud acertou e o quanto ele errou segundo as pesquisas atuais como a Neuropsicanalise?

- Freud era um gênio em seu tempo. O que ele descobriu não está "obsoleto", ao contrário. Mas seu campo de observação não englobava tudo, e precisava ser acrescido das futuras descobertas neurológicas, como ele mesmo advertiu.

- A Psicanálise se renovou bastante desde Freud. Klein, Bion, Winnicott, Lacan... Mesmo Jung, que parte de bases psicanalíticas e do inconsciente. Vejo grupos psicanalíticos bem contemporâneos e atualizados na USP, PUC e UNIFESP. Sem falar nos renovadores explícitos, transdisciplinares, como Gilberto Safra e o Grupo de Neuropsicanálise. Mas isso não quer dizer que todos os psicanalistas, institutos e sociedades psicanalíticas tenham se renovado. Muitos querem fazer de Freud mais um tabu do que um tótem, e agem como se a clínica, o profissional e a sociedade ainda fossem as de 1920. Não são. Como em toda área, autor ou mesmo religião, há os mais ortodoxos e fundamentalistas que se apegam literalmente ao que as obras de referência dizem, impedindo qualquer progresso e alteração; e há os mais heterodoxos que lêem os clássicos para entender o método do autor, continuando ou atualizando sua obra.

- Freud não é um santo ou profeta, apenas um observador fenomenológico da psique. Sorte nossa que ele não tinha ressonância magnética e neuroimagens. Ele relatava, anotava, teorizava sobre o que observava. E em relatos assim, os critérios de "certo", "errado" e "comprovável" não se aplicam tanto. Alguns de seus juizos são estranhos, certamente (inveja do pênis, por exemplo), outros talvez sejam contaminados por suas crenças e época. Mas não há erro em relatar algo, e se ele vivesse hoje, talvez relatasse ou concluísse outras coisas, uma vez que a psique coletiva parece ir mudando aos poucos, embora a meu ver mantendo algumas estruturas mais arquetípicas. Os (pseudo) cientistas de hoje nem sempre compreendem isso, um erro a meu ver de método filosófico. Se Freud fala em "superego", como estrutura funcional observável, alguém mais reducionista quer "encontrar" um superego passeando pelo cérebro e acenando para o tomógrafo. Freud deixou claro que não era essa a idéia ou o conceito dele, mas essa parte poucos lêem.

- Neuropsicanálise é um termo que pode ser compreendido em algumas abordagens. Se você a usa como Mark Solms, ela de algum modo estaria ali para comprovar ou endossar neurocientificamente as posturas de Freud. Não penso assim, e os grupos que conheço também não. Embora os trabalhos de Solms sejam muito relevantes e pioneiros, há outras frentes que tentam levar a Neuropsicanálise para ALÉM dos limites da neurociência E DA psicanálise, ou seja, que a vêem como uma NOVA área que não pode ser tão reducionista quando uma neurociência que não enxergava a complexidade da psique, nem tão reducionista quanto uma psicanálise ortodoxa que não enxergava as implicações das descobertas da neurociência ampliando aquilo que Freud só podia conhecer por observação.

você é mesmo herege?

O que você chama de herege? Deus está mais presente em minha vida, pensamentos e atitudes do que na da maioria dos que se dizem religiosos. Ética e amor, também.

Se o que chama de "heresia" é o significado original do termo, "escolha", capacidade ou possibilidade de questionar o senso comum, então nesse sentido sim, todos os filósofos são "hereges" por definição - inclusive (ou principalmente) os filósofos cristãos. Se por outro lado usa o termo como nos tempos da Inquisição, designando membros de correntes alternativas do cristianismo, subversões alternativas ao pensamento dominante, creio que não se aplique a mim: não me reduzo a esse jogo de poder e crença entre os "oficiais" e "opositores". Um membro de heresia, nesse sentido, quer de algum modo ser a oficial, tem também seu dogma, ainda que contrário. Não é meu caso, não quero disputar nada, nem levar "verdade" pronta minha para ninguém. Mas se por "herege" entende o que o senso-comum chama, uma espécie de rebeldia atéia ou anárquica, então não, não sou herege. Meus pensamentos giram ao redor de Deus, e Ele é para mim uma experiência direta, íntima, alienável. Não há "heresia" por não haver competição com nada ou ninguém. Talvez isso incomode quem preferia que eu fosse de uma certa ortodoxia, espiritualista ou cristã. Esses talvez me chamem de "herege" por eu ousar falar de ou com Deus sem (necessariamente) adotar os mesmos pastores. Eu relevo, pois eles não sabem de minhas experiências íntimas - nem o que o termo "herege" quer dizer.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa: