quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tenho tendência a ser generalista. Até que ponto isso pode ser só umaquestão de gosto/personalidade e até que ponto pode ser, por exemplo,uma falta (ou fuga) de vínculo/comprometimento?

Não há nada errado em ser generalista, ao contrário. O problema é ser vazio, raso, e isso pode ocorrer com qualquer um. Generalistas tem visão de conjunto e precisam ter poder de síntese e comparação, visão além do senso comum, para exercer seu potencial transdisciplinar. Isso é ótimo, e tende a ser melhor remunerado a médio-longo prazo.

Mas note que o generalismo produtivo não dispensa alguma coerência e complementariedade entre as áreas estudadas, nem que se tenha ALGUM embasamento maior em algumas das áreas, como referência. Quando queremos encontrar água, precisamos cavar o poço durante algum determinado tempo em um mesmo lugar.

Ser raso em muitas coisas desconexas não é ser generalista nem transdisciplinar, mas sim uma espécie de multi-especialista-ruim.

Lázaro, queria saber sua opinião sobre namoro virtual,(é ilusão oureal) levando em consideração que o casal encontra-se no plano astral?

Bem, eu gosto muito das possibilidades do sexo DENTRO do corpo. A aparelhagem está toda por aqui. Os amores de outra vida e lugares que peguem a senha, se a vida é eterna, há reencarnação para todas, meninas! Portanto, eu prefiro e sugiro deixar as de lá para os de lá, e amar alguém do eu-aqui-agora. Acredite, há possibilidades físicas maravilhosas, hehehe.

O que você acha de "O Segredo"; e coisas parecidas, daquelas pessoas que acreditam que basta mentalizar que a vida é linda, que a vida vai ficar linda? Isso é coerente pra você? Até que ponto?

O que você acha de "O Segredo"; e coisas parecidas, daquelas pessoas que acreditam que basta mentalizar que a vida é linda, que a vida vai ficar linda? Isso é coerente pra você? Até que ponto?


Não, há muito exagero e pensamento mágico. O que não deixa de ser uma forma de delírio auto-referente, uma maneira de pensar, como criança, que o mundo inteiro está aí apenas para obedecer a nossa vontade e caprichos.

Creio em sincronicidades, em poder do pensamento, em programação mental, mas dentro de uma abordagem um pouco mais adulta, responsável e coerente. Escrevi um bom artigo sobre isso em:

http://migre.me/iMMe

Creio que valha muito a pena para quem se interessa pelo tema. Há muitas dicas ali que não estão nos livros.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O que vc acha do recém lançado "livro negro da psicanálise"?

Muito engraçado e reducionista. Recém lançado há quantos anos? :-) Respondo a essa pergunta a pelo menos uns 3 anos, e cada vez com menos linhas...

É mais ou menos como querer explicar o amor do poeta a partir da análise dos átomos de tinta deixados no papel. Explicar a biologia apenas com a química, e aí provar que moléculas não existem. Explicar a mente apenas com o cérebro. Compreender as complexas relações humanas apenas pelos comportamentos externalizados. Não dá.

Não perco muito tempo com isso, uma vez que a INTENÇÃO é provocar polêmicas e conflitos onde não há, e alimentá-las é uma forma de ajudar o autor. Ele precisa de mais dados para começar um debate. Por exemplo, atualizar-se com os trabalhos de Eric Kandel (prêmio Nobel), Mark Solms (neuropsicanálise) e outros tantos que tem bastante pesquisas multidisciplinares unindo mente e cérebro.

A neurociência que desconsidere a psicodinâmica mental é evidentemente reducionista, ASSIM COMO também é reducionista o psicanalista que desconsidere os progressos da neurociência. Não podemos compreender a complexidade da CONSCIÊNCIA a partir de uma ótica só.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

Láz estou sempre procurando me renovar a cada dia.Porem to precisando de mais dicas, conselhos que me ajudem a ta sempre se renovando, pode me passar alguns?

Poxa, me parece impossível fazer isso de modo generalizado assim. Se cada pessoa é única, o que é novo para você não será para o outro, e vice-versa. E depois, não é necessário ser diferente a cada dia. Talvez algo do dia anterior possa ser mantido, se for bom. O importante é nunca conseguirmos tudo o que queremos, para que sempre possamos ter sim a alegria da conquista e a motivação da busca, mas também a valorização do muito que a gente já conquistou.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

domingo, 29 de janeiro de 2012

Olá, você teve alguma percepção especial(espiritual ou não) visitando os monumentos, celtas e etc, na sua última viagem?

Sim, tive, tanto em Stonehenge quanto mais ainda em Tor, que em parte era uma peregrinação espiritual. Ainda que ambos os lugares estejam tomados pelas visitas turísticas (e, naquela data de Samhain, também de Halloween americanizado), ainda assim a SINTONIA é pessoal e portátil, nós a levamos aonde vamos.

Difícil explicar o que é repousar em cima de tanto passado, mortes, sabbats e celebrações. Nem tento: é muito pessoal.

Tive a sorte da Suma Sacerdotisa e Senhora Telucama Graça Azevedo ter visitado Tor em Glastonbury em Setembro, e eu ter conversado com ela (e visto fotos) logo depois, no Ostara, em Salvador. Fui sabendo o que deveria procurar e sintonizar ali naquele portal. E, evidentemente, fiz minhas conexões, "preces" e agradecimentos. Para mim foi particularmente especial celebrar cinco anos de prosperidade e amor naquele local (começando no Beltane do Hemisfério Sul de 2006). Já havia ido no 2 de Fevereiro passado a Salvador agradecer, e tenho para mim, internamente, que não foi coincidência a sucessão de eventos que me fez passar justamente o Samhaim de 31 de Outubro no lugar mais adequado do mundo para isso.

Trouxe algumas sete pedras da caverna do "Rei Arthur" - onde o mar entra - aqui para o meu altar ecumênico encabeçado por Buda e Jesus. Fiquei na dúvida ético-ecológica de se deveria trazê-las ou não, alimentando este tipo de comércio - ainda que de baixíssima escala, certificado, e gerando retorno para o lugar. Foi um dilema. Mas optei pela conexão dos milênios de mar entrando ali, e de tantos e tantos celebrando junto daqueles seixos.

Me sinto particularmente honrado por Deus por ter tido a honra de celebrar o divino e a Terra em tantos lugares, egrégoras e situações. Atravessando os mares, vemos que os países não tem fronteiras no solo, é tudo humanidade. Atravessando as egrégoras, dando aulas em colégios cristãos ou participando de ritos afro-brasileiros, peregrinando junto aos celtas nos locais de cultos mais antigos do ocidente ou frequentando grupos de espiritualidade universalista new-age, na missa ou no candomblé, no culto ou no sabbat, no seminário cristão ou no templo de bruxaria, pude perceber que SOMOS TODOS UM SÓ, e que nosso planeta, nossos deuses e nossos corações não apresentam divisões.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

Olá, Lázaro. Existe diferença prática entre psicoterapia e psicanálise no que se encontra pelas clínicas por aí? Quais seriam as diferenças importantes para quem está procurando uma ajuda na questão "conhece-te a si mesmo?" Desde já, grato,

Psicoterapia é todo e qualquer tipo de atendimento psicológico com intenção terapêutica. É praticada tanto por psicólogos, psiquiatras e psicanalistas. Psicanálise é uma das possibilidades de psicoterapia, embora cada vez mais eu a veja com menos necessidade "terapêutica" ("ter que" curar alguém, como o psiquiatra e alguns psicólogos "tem") e com mais foco no existencial.

Se o objetivo é conhecer a si mesmo, a médio-longo prazo, creio que a psicanálise ou a psicoterapia junguiana sejam mais indicadas. Há outras boas abordagens, como a logoterapia, a humanista, a sistêmica, a filosofia clínica, cada um com suas características. Mas se o objetivo é mais trabalhar em conjunto com um psiquiatra e remédios para resolução rápida de uma psicopatologia específica, sem precisar entrar nas camadas mais profundas de Si-Mesmo, as psicoterapias do tipo "cognitivo-comportamental" (as mais adotadas por psicólogos hoje) podem ser mais indicadas.

Olá Láz, alguém me disse que a voz interior e exterior são uma só, isso foi falta de discernimento?

Bom, depende do ponto de vista, não? E do paradigma em que se fala... Ora, quando alguém conversa comigo, me parece que a voz exterior é outra. Dentro de um paradigma espiritualista, poderíamos separar o externo do interno, também. Dentro de um viés mais psicológico, ou mesmo dentro de umas correntes filosóficas, dizer que interno e externo são um só já faz mais sentido. Ora, muitas "vozes" que julgamos externas são, de fato, internas. Ou no mínimo reflexos do nosso mundo interno.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

Olá, qual sua opnião, como filosofo e psicanalista, ao behaviorismo? Eu fui conversar com um behaviorista, mas para mim foi como conversar com um radical religoso. Tentei ler sobre mas não cheguei a conclusão do radicalismo da pessoa que conversei.

Há bons profissionais em todas as linhas. E há profissionais que mais parecem radicais religiosos em várias áreas também, o behaviorismo e a psicanálise não são exceção.

Toda boa psicoterapia funciona, algumas melhores para algumas coisas, outras nem tanto. Mas toda relação analítica, independentemente da técnica, permite (no mínimo) estabelecer melhores relações, a partir da melhora da relação analista-analisando.

PARTICULAR E TECNICAMENTE, meu posicionamento é oposto ao do behaveorismo, porque divido as técnicas em "alienantes" e "não alienantes", ou seja, há as que trabalham sintomas e manifestações tentando de algum modo AFASTAR o sujeito da origem de seus problemas indo direto à queixa (parecem mais "eficientes", mas creio que isso possa trazer consequências depois) e as que, ao contrário, tem postura mais incômoda e analítica, indo mais profundamente em direção ao que dói, e tentando favorecer o auto-conhecimento de modo a pegar o mal pela raíz.

Jogo no time das segundas, as terapias mais conscientizantes, dentre elas a psicanálise, a psicologia analítica de Jung, a psicodinâmica, a logoterapia de Frankl, algumas práticas humanistas, outras transpessoais, etc. Em geral, a maior parte delas trabalha com conteúdos inconscientes e dinâmicos.

Em geral, o paciente vai às terapias alienantes para "se sentir bem", ao passo que nas terapias de inconsciente, às vezes uma sessão de sucesso pode ser justamente aquela em que o paciente saiu mal, chorando ou incomodado por uma semana, DESDE QUE isso ao invés de reforçar seus traumas lhe permita começar a se conscientizar e mudar.

Já nas terapias alienantes (behaveorismo, cognitivo-comportamental, terapeutas "alternativos" conselheiros, PNL, uso apenas de medicamentos, etc) temos um foco no "resultado", na descrição de sintomas, no aspecto CONSCIENTE das questões, uma vez que (às vezes, ou por método) não se encara a RAIZ dos problemas, a verdadeira CAUSA da queixa, mas sim tenta-se mudar o comportamento, o pensamento ou o sintoma desconfortável GERADO pela raiz da qual se alienou. Essas técnicas são em geral mais rápidas e mais caras que as conscientizantes, pois em poucas sessões o paciente tem a sensação de ter alívios ou até "curas". Entretanto, na minha visão pessoal, se a verdadeira causa não é tratada em suas nuances mais incômodas, inconscientes, antigas e psicodinâmicas, FATALMENTE a energia psíquica equivalente se manifestará depois de algum tempo de modo (a meu ver) bem pior, uma vez que a neurose anterior era a MELHOR forma que o inconsciente da pessoa havia conseguido construir para se compensar. Tirando a válvula de escape sem tratar o motivo do incêndio e vazamento, a explosão futura pode ser bem pior.

Por outro lado, reconheço que técnicas rápidas sejam úteis e necessárias em ALGUNS problemas específicos. Eu uso recursos cognitivo comportamentais em casos de dependência química severa, síndrome de pânico e transtornos graves de ansiedade. Isso porque, caso contrário, será um desconforto (ou uma impossibilidade) chegar ao consultório, não havendo tempo para uma investigação psicanalítica mais aprofundada. Mas enquanto uso os recursos cognitivo-comportamentais, não deixo de investigar as origens, o inconsciente, os sonhos, a psicodinâmica, as relações familiares, a árvore sistêmica genealógica, os padrões... Sem isso, eu estaria apenas alienando o paciente, afastando-o de suas verdadeiras causas. Não creio que a psique de alguém seja uma "doença", e não concebo terapias que reduza alguém a sintomas e comportamentos, afastando-o do Si Mesmo.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Sete axiomas a favor de qualquer religião

O que vc acha da Umbanda? Depois de algum tempo no Espiritismo (dito "Kardecista") percebo que lá há muito "estudo" e pouco trabalho, se esquecendo das coisas mais simples... Ao se perderem nas "teorias" e "doutrinas", me parece que, na verdade, ninguém entendeu o que Kardec codificou. (pergunta anônima feita a esse blog)

Gostar mais ou menos de uma religião é uma escolha pessoal. Toda religião é boa, inclusive a umbanda e o espiritismo. Todas também tem suas limitações, dogmas, mitologias próprias - e suas falhas humanas. Qual conjunto se encaixa melhor a cada pessoa é questão de foro íntimo. Se lhe parece que uma é melhor dentro do que acredita e percebe em seu momento atual, vá com Deus.

Não vou me esquivar da resposta, mas antes de responder quais prefiro (pessoal) e porquê (técnico), prefiro lembrar que a princípio e por princípio, TODA RELIGIÃO FAZ BEM, TODA RELIGIÃO É BOA, TODA RELIGIÃO FAZ O BEM. Precisamos de mais religiosidade e menos de dogmas. Nem vou entrar no mérito de crer ou não em Deus, ou em que Deus. Há vantagens na religião que independem de "Deus". Todos nós, inclusive agnósticos e ateus (ou talvez principalmente estes), temos algo a aprender com as religiões.

Nesse sentido, gosto da umbanda, como gosto do espiritismo, do catolicismo, do budismo, do taoismo, da bruxaria, do islamismo e do judaismo. Embora eu possa ter críticas menores a algumas dessas. Ainda que limitadas, toda religião séria tenta suprir SETE IMPORTANTES AXIOMAS, e é melhor ao homem mediano que os tenha do que desconstruir tudo e não conseguir recolocar suas pedras no lugar.

TODA RELIGIÃO É, ou deveria ser:

1) Um repositório HUMANÍSTICO. Religiões tentam nos tornar mais humanos, compassivos, solidários.

2) Um repositório ÉTICO. Religiões fornecem um conjunto de VALORES e limites, mesmo que realtivos.

3) Um sistema de SENTIDO e uma MITOLOGIA EXISTENCIAL. Toda religião tenta, de algum modo, lidar com a angústia existencial, de um modo bastante acessível e didático.

4) Um sistema de TRANSCENDÊNCIA. Toda religião, a princípio, tenta lidar com o que "está além", com a possibilidade de sermos mais que a casca.

5) É um sistema SIMBÓLICO. Nas palavras de Jung, "O homem precisa de uma vida simbólica". A mente consciente não dá conta de tudo.

6) É um repositório RITUALÍSTICO. Mais do que apenas ter símbolos, é melhor que possamos interiolizá-los, e que de algum modo isso nos propicie insights.

7) Uma possibilidade MEDITATIVA. Religiões promovem algum tipo de estado alterado de consciência, meditação, transe, ou no mínimo interiorização e reflexão. Isso é comprovadamente bom.


(Para quem se interessar, mais abaixo explico e exemplifico cada um dos tópicos acima)

Todos esses sete ítens, facilmente alcançados pela maioria das religiões, são benéficos ao homem de nosso tempo independentemente de suas crenças. É possível beneficiar-se deles até mesmo sem acreditar em Deus! Mas, convenhamos, é mais fácil para o crente, por ter menos resistência ao método. Em suma, feliz daquele que ainda consegue ter religião. A ignorância é uma benção, e dá muito mais trabalho ser completo sem elas.

O que fizemos foi perceber, acertadamente, que havia mentiras e equívocos nas religiões. Abusos de poder, e muita coisa que não era necessária para os sete ítens acima. E passamos a desconstruí-las, a partir talvez das críticas de Nietzsche, e da incapacidade dos modelos antigos - religiosos, filosóficos, morais, culturais, familiares - de atender a todas as demandas de nosso novo mundo em transformação.

Ora, alguma desconstrução é necessária, mas como diz Baumman, aprendemos a usar nossos ácidos para dissolver todas paredes de antigos valores, crenças e instituições, mas nos esquecemos de construir novos edifícios com os tijolos. Ao contrário, parece que queremos jogar nossos ácidos até mesmo nos tijolos, e passamos a viver uma modernidade "líquida", em que tudo parece carecer de um pouco mais de maturidade, sentido e "concretização".

Portanto, ganhamos muito quando nossa desconstrução nos permite perceber que muito do que acreditavamos não era necessário para que obtivéssemos a essência do que buscavamos na religião, incluindo os sete ítens acima. É saudável retirar tijolo por tijolo para construirmos algo melhor em que possamos habitar. Mas, por outro lado, perdemos muito quando essa nossa desconstrução nos deixa sem teto, quanto somos forçados a admitir (e, se formos sinceros, admitiremos) que muitos daqueles que não desconstruiram possuem mais abrigo do que nós, e conseguem dar conta melhor dos 7 ítens acima a partir de suas "crenças" do que nós mesmos, que nem sempre colocamos algo melhor no lugar. Observem que isso não é culpa da desconstrução em si. (Para quem se interessa mais por esse tema, sugiro ler o excelente Modernidade Líquida, do sociólogo Z. Baummann, ou outros livros mais específicos de sua série sobre nossos tempos "líquidos" atuais).



Portanto, agora temos uma ferramenta para criticar algumas religiões, não pelas suas boas intenções (todas tem), mas pela maior ou menor capacidade em prover PELO MENOS os sete ítens acima. Antes disso, para evitar ser mal interpretado, detalharei cada um dos ítens, para quem precisa.



SOBRE O HUMANO: Religiões incentivam a compaixão e empatia (colocar-se no lugar do outro, sentir com o outro, sentir pelo outro), a caridade, a humildade, a capacidade de nos importarmos não apenas com um "coletivo" vazio e descompromissado, à distância (isso até a TV faz), mas também com a dor de nosso irmão na rua, de nosso semelhante. Precisamos mais disso. Independe de acreditarmos ou não em deuses ou Deus.

SOBRE O ÉTICO: Sistemas de valores e aceitação de limtes ajudam na formação de um ego. Ainda que o "certo e errado" possa ser relativo e temporal, a "aproximação moral" feita pelos códigos e preceitos religiosos é certamente melhor do que "ética nenhuma". Há excessos e generalizações, mas todo sistema ético tenta fazer dos adeptos pessoas melhores. E isso me parece bom. Independe de acreditarmos ou não em deuses ou Deus.

SOBRE O EXISTENCIAL: Religiões tentam dar RESPOSTAS EXISTENCIAIS ao ser humano que, ainda que em parte mitológicas ou simbólicas (grifo no EM PARTE), nos afastam da angústia existencial. De onde venho, quem sou, para onde vou, onde minha vida se encaixa no todo. Qual o sentido? Porque amar a vida em lugar de morrer? O que fica do que se foi? Viver para mim ou para os outros? Haverá uma ordem ou razão em tudo? Se sim, qual? Se não, o que me impele a viver? Qual a melhor explicação possível, dentro de minhas crenças, de modo a que eu me alivie, perceba a ordem do mundo à minha volta, e possa viver minha vida da melhor forma possível. Muitos abandonam as religiões ao descobrirem seu CARÁTER MITOLÓGICO. Mas se compreendermos as contribuições de Joseph Campbell e dos filósofos ao conceito e função do MITO, isso não as invalida, ao contrário. Nós é que, escravos de nosso tempo, queremos que até nossos melhores mitos sejam "reais", apreensíveis pela razão, pelo tato e pela história. É tudo que uma religião NÃO PRECISA ser.

SOBRE O TRASNSCENDENTE: Religiões tentam levar a alguma trasnscendência, lidam com a possibilidade de termos algo mais a fazer do que nascer...acordar-comer-evacuar-reproduzir-dormir...morrer (qualquer cão faz isso), de termos mais do que sabemos hoje, de haver verdades que ainda nos são veladas. Ora, isso é condição humana. Em todas épocas, locais e culturas, sempre houve uma manifestação religiosa espontânea. Transcendência, portanto, é condição INATA do ser humano. Numa visão mais cética e ateísta, neurocientistas psicodinâmicos atribuem a isso - no mínimo - um motor inconsciente da evolução. De todo modo, aceitar ou lidar com o que está além de nossos conhecimentos, limites e sentidos é importante: a ciência de hoje é sempre o mito de amanhã, quando descobrimos quem gira ou não ao redor do sol. Certas questões já existem, fenomenologicamente, antes mesmo de sua explicação. Religiões lidam com isso, não só com crenças, mas com ferramentas, posturas.

SOBRE O SIMBÓLICO: Grande parte - talvez a maior - de nosso psiquismo se dá de modo inconsciente e simbólico. Mesmo os fatos ditos "reais" são acessados a partir de nossos próprios filtros e lembranças, de um modo não controlável pela razão. Em todas épocas, locais e culturas, o homem naturalmente buscou sistemas simbólicos para a compreensão e introjeção daquilo que apenas sua "lógica" não alcança. Parece ser característica INATA da condição humana, e não mera cultura ou convenção. Em qualquer ilha, tribo, nação, pequena ou grande religião, o homem se move por ritos de passagem, ciclos, sinais, simbolismos, valores subjetivos. Talvez nosso tempo tenha se tornado neurótico demais para perceber isso. Se eramos mais humildes em relação às nossas possiblidades e mentes, mais fácil era aceitar a vida simbólica. Em nosso tempo, confiamos demais em nossas mentes e tecnologias, e realmente elas podem bastante, mas não podem tudo. Portanto, quanto MENOS pensamos que precisamos de uma vida simbólica, MAIS precisamos. Na falta de uma vida simbólica, temos substituído isso por marcas, logotipos, datas comerciais, falsos simbolismos, ídolos e mitos fabricados e descartáveis, troca de aparelhos eletrônicos pela "nova versão" tal que "transncende" a anterior, diplomas vendidos a rodo, relacionamentos feitos e desfeitos em uma maturidade impressionante, tudo que nos dê uma falsa sensação de termos marcas e ritos de passagem, de termos progressos, de termos datas e tempos - ainda que sejamos manipulados para isso. A captação de uma vida simbólica substituta em benefício de interesses próprios nos trouxe, não podemos esquecer, o stalinismo e nazismo, célebres em adotar simbolismos variados para conter e se apropriar da necessidade inata do homem de ritos e símbolos - no caso, para a guerra, e não para a paz. Não temos a opção de vivermos ou não uma vida simbólica. Temos a opção de vivê-la de modo melhor ou pior, mais conscientes ou mais manipulados. Ou, como última opção, na forma de uma NEUROSE. Afinal, um transtorno obsessivo compulsivo ou mesmo uma psicose grave não deixam de ser formas EXTREMADAS de ritualizar o cotidiano, e fazer o inconsciente reprimido enfim poder vir à tona.

SOBRE O RITUALÍSTICO: Em complemento ao dito sobre o simbólico, o ritualístico permite uma saída "prática" para a "teoria". Religiões celebram datas, ritos de passagem, ciclos, momentos especiais da vida. Possuem ritos, cânticos, ambientes especiais. A ritualização permite que alcancemos algo do que os símbolos traduzem, além de permitir vias dopaminérgicas que permitirão uma maior memorização e interiorização das experiências, e também uma maior possibilidade de "insights" (associáveis à neuroplasticidade). A vida ganha cor e sentido, os insights são favorecidos. Há evidências neurocientíficas dos benefícios dos insights, e a união de rito e símbolo buscada de forma inata pelo homem desde sempre já apresentava uma saída natural para o que hoje começamos a saber.

SOBRE O MEDITATIVO: Diversos estudos neurocientíficos comprovam, recentemente, o que tanto yogues quanto psicólogos do inconsciente sempre souberam. O estado meditativo ou pelo menos reflexivo permite novas possibildades para a mente, além de favorecer a resolução de problemas - práticos ou emocionais - de difícil solução pelas vias conscientes normais. Estudos de neuroimagem demonstram significativas mudanças positivas no córtex frontal de meditadores, e a história está também repleta de inventos e obras só desenvolvidos a partir de imagens inconscientes, sonhos ou transes (tabela periódica, máquina de costura, anéis aromáticos do benzeno, dentre tantos outros).


Vamos às críticas e preferências, não teológicas (isso é foro íntimo), mas psicológicas e funcionais:


Jung faz críticas sérias ao PROTESTANTISMO (sua religião de origem), não de cunho teológico, mas pela pretensão que este teria em querer abarcar todo o psíquico e até mesmo divino pela "interpretação" racional. Falta inconsciente, falta rito, falta símbolo - e compensa-se isso com um excesso ético que, por vezes, perde-se na mera convenção moral. Jung previa que isso só poderia resultar em neurose: falta inconsciente! Mas como disse acima, o ser humano tem capacidade (necessidade) inata de prover os ritos quando estes faltam. Não por coincidência, os próprios protestantes adaptaram parte de seus ritos para incluir catarses, falas em línguas, transes de anjos e demônios, espetáculos musicais, coros e balés apoteóticos que fazem a significação simbólica. Em maior ou menor grau de sinceridade e honestidade, alguns pastores transformaram os cultos em verdadeiros terreiros de descarrego! E o povo, É CLARO, aderiu: O homem PRECISA de uma vida simbólica!!! Sem entrar no mérito teológico, caricato ou oportunista disso, considero este movimento neopentecostal uma evolução (do ponto de vista do inconsciente), embora um perigo (do ponto de vista de, na falta do simbolismo original, abrir campo para a apropriação e manipulação deste por parte de interesseiros, de forma análoga ao que a própria publicidade e marketing já fazia, vide críticas minhas acima no ítem "sobre o simbólico".

Infelizmente, grande PARTE das críticas acima de Jung PRECISAM ser pensadas também pelos ESPIRITUALISTAS UNIVERSALISTAS BRASILEIROS e por alguns ESPÍRITAS, por às vezes colocarem peso excessivo no "consciente", no "lógico", no "conhecimento", no "racional", no "discernimento" (o que é ótimo) mas em detrimento (ou até tom pejorativo) em relação aos símbolos, aos ritos, ao inconsciente, ao psíquico (o que é péssimo). A lógica é a mesma do protestantismo clássico: "Se não passou pela razão, não existe. Logo, qualquer ritualismo precisa ser associado à falta de cérebro, à incapacidade de pensar, às crendices primitivas, à superstição." Menos. Em parte, sim, mas a generalização é um equívoco que a história já nos permite conhecer. Como diz um amigo, "Já há sessões espíritas sem espíritos, apenas com evangelho". Como pode?

Felizmente, há exceções: há casas espíritas mais abertas e universalistas, e há universalistas mentais que não deixam de, vez por outra, atender a alguns ritos e vida simbólica. Tanto melhor.

Nesse sentido, endosso a preocupação da pergunta com o espiritismo em relação à UMBANDA. Crenças à parte, a Umbanda possui uma vantagem, em relação ao espiritismo, que é de ser sincrética (já que tudo é mito, quanto mais universalista, melhor), de ser menos dogmática e formatada (excesso de "certezas" nem sempre é saudável nesse terreno do desconhecido, as dúvidas trazem mais benefícios), de ser excelente no que se refere a RITOS, TRANSES E SÍMBOLOS. Há um resgate do mágico, do dionisíaco, do amor fati, do amor à vida mesmo em seus aspectos sombrios, sem necessidade de uma pseudo-iluminação movida a sombras escondidas. Nesse sentido, tenho maior simpatia psíquica pela umbanda e bruxaria tradicional, devido a me parecerem um pouco mais completas em relação aos 7 ítens acima. Entretanto, é necessário muito cuidado em relação aos ítens 1 e 2.

Também há críticas óbvias ao movimento pseudo-esotérico ou new-age a que costumamos chamar, brincando, de "Esquisoterismo" (com S, de esquisito; ou às vezes com Z, de esquizofrênico, dependendo do grau de delírio místico de cada facção). Ora, embora haja um sistema aparentemente simbólico, este é quase caricato, sem histórico, sem egrégora, sem endosso. Nesse sentido, segundo Jung, assim como em relação aos novos logotipos comerciais de empresas, não cabe o termo "Símbolos", mas sim "Sinais". Isso por não haver a condensação inconsciente de questões transcendentes naquilo. Não há tempo, não há fundamento, não há tradição. Quase tudo é estabelecido - ao acaso - pelas associações livres de cada autor ou canalizador. Além do mais, boa parte traz uma crença mágica de resultados independentes de causas, uma espécie de "poder do pensamento" que gravita entre o infantil (crianças pensam exatamente assim, tudo se resolve no máximo até o Natal) ou o irresponsável (no sentido de desassociar as causas das conseqüências). Neste aspecto, vejo falhas na questão ética (causa e consequência dos "atos" é o mínimo para se falar em valores, em bom "agir"), do humano (se o universo responde diretamente aos MEUS delírios e mentalizações, a importância relativa do outro decresce e muito, e a caridade torna-se mais uma auto-afirmação do que empatia e compaixão real) e até mesmo dos ítens relativos ao Simbólico e Ritualístico (que demandam pelo menos alguma tradição e condensação)

Notem também que nenhuma religião será "perfeita", mas algumas são especializadas em determinadas questões. Por exemplo, o budismo é excelente para quem valoriza o ítem 7. Já certas versões do cristianismo, um pouco mais moralistas, são excelentes nas conversões em presídios, onde há talvez uma carência de valores éticos - que elas podem dar. Eu gosto muito do paganismo original, autêntico, devido aos seus ritos e símbolos, mas ele transfere ao adepto a necessidade de fazer o seu próprio sistema moral e, às vezes, humanístico-existencial - bons templos trabalham isso no "pacote", mas é possível a um praticante solitário ou mal agrupado atender aos preceitos religiosos pagãos SEM precisar adentrar em contribuições dadas pela moral e humanismo cristão. Portanto, a responsabilidade fica em nossas mãos. Situação análoga ocorre em alguns grupos de candomblé.

Portanto, melhorando a definição, TODA BOA RELIGIÃO É BOA, e casas sérias tem mecanismos para compensar até mesmo os ítens nos quais seriam, talvez, deficientes.

Para dar o que pensar, e sendo coerente com o que tento explicar nos ítens acima, o polêmico filósofo Luis Pondé tem uma afirmação divertida e incômoda sobre a escolha de religiões:

"Se vai escolher uma religião, opte por uma que tenha pelo menos mil anos de existência. E que não tenha passado pela Califórnia." (risos).

Exageros e brincadeiras à parte, a frase dá o que pensar.

Lázaro Freire
Psicanalista Transpessoal e Analista Junguiano
Filósofo pelo Seminário de São Paulo, com ênfase em Ciência e Filosofia da Religião

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O que você pensa sobre a eutanásia aplicada a doentes terminais visando reduzir o sofrimento? E em outros casos?

Cada caso é um caso, mas não me pauto nisso por questões supostamente religiosas. Evidentemente não faz sentido deixar alguém SOFRER de modo insuportável, ainda mais quando esta sobrevida se dá por mecanismos artificiais, por orgulho ou egoísmo dos parentes ou médicos. Estou falando de pessoas que desejam morrer, que percebem que seu corpo quer e precisa ir, e que sofrem muito ficando aqui.

Penso que a natureza tem seu tempo e saídas, e pode ser que ela esteja dizendo que o tempo possível já passou. Em condições mais naturais, deveriamos viver em média 40 anos, e não 80. Nosso direito e conquista de sabermos hoje como prolongar a vida não deve nos tornar cegos ante aos próprios mecanismos da vida de optar pela pulsão de morte.

Mas nos casos em que o doente está inconsciente ou sem condição de juízo próprio, a questão é saber se o "sofrimento" que se quer reduzir é o do doente ou o da família. Questão impossível de generalizar. Será mesmo que não há esperança futura? Será mesmo que o doente está sofrendo, se devidamente sedado? Aliás, será mesmo que está inconsciente de fato? Temos inúmeros relatos de pessoas que, durante processos de anestesia, sedação constante, aparente insconciência e até mesmo Acidente Vascular Cerebral (derrame) permaneceram por muito e muito tempo aparentemente "inconscientes", mas que na verdade percebiam tudo o que ocorria, estavam lúcidos, vivos e assustados, apenas não conseguiam se comunicar - como numa catalepsia que nunca chegava ao fim.

O filme "O Escafandro e a Borboleta" (Le Scaphandre et le Papillon, 2007) aborda um caso REAL assim.

Acompanhei minha própria vó materna por mais de 10 anos, em Araxá, vitimada por um AVC. Inúmeras das vezes que a pensavamos inconsciente, descobríamos depois que ela estivera lúcida, quando ela enfim conseguia recuperar a fala e as funções cognitivas e nos relatava detalhes de quem a visitou. Havia vida ali, e não me parece que teríamos direito de discutir à revelia dela se a mesma deveria ou não continuar, para "nosso" conforto. Isso me pareceria um assassinato, e talvez jamais soubéssemos depois que ela acompanhava isso de forma lúcida, apenas incapaz de se expressar. Não era fácil cuidar dela, mas até onde percebi, a opção dela sempre foi a de viver. Evidentemente JAMAIS cogitamos algo como eutanásia, mas se em caso parecido alguém optasse por algo assim, será que o sofrimento inadministrável seria o do paciente ou o dos familiares?

Respostas difíceis, pois a maioria dos casos talvez incorra em um meio termo, onde talvez não haja tanta esperança, onde talvez não haja tanta consciência, e onde talvez de fato a família nem sempre tenha condições de cuidar eternamente, sem saber sequer se com isso está ou não fazendo o bem. IMPOSSÍVEL GENERALIZAR, e isso se aplica também ao discurso religioso, que muitas vezes traz hipócritas e irresponsáveis RESPOSTAS PRONTAS, culpas e proibições - baseadas apenas em dogmas prévios - sem considerar a particularidade de cada situação.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Você como psicanalista, o que acha do assunto 'projeção astral'? Uma vez vi uma entrevista onde o entrevistado dizia que qualquer pessoa pode fazer esta tal da 'projeção astral' com um pouco de esforço, mas dizem que é apenas um delírio da mente..

Esta questão pode ser abordada por diversos lados, e cada paradigma exigirá uma resposta diferente. Abordarei essa questão do fenômeno íntimo - religioso ou paranormal - pela via da análise, da patologia da filosofia. Vejamos o que elas tem em comum.

1) Você me pergunta COMO PSICANALISTA. Bem, não cabe a um (bom) psicanalista fazer inferências sobre a experiência de quem a relata. Não somos juízes epistemológicos da "concretude" do processo psíquico alheio, mas sim intérpretes fenomenológicos da natureza simbólica das experiências que constituem o INCONSCIENTE de nosso cliente/paciente/partilhante. Posso tratar de clientes protestantes, espíritas ou católicos do mesmo modo, independentemente da causa parapsicológica que atribuam às suas manifestações internas. O que estará em análise são os símbolos, o arquetípico, o metapsicológico, ou seja, como esta experiência (qualquer que seja) repercurte inconscientemente no psiquismo do cliente. Dizer se é sombra, diabo ou obsessor não nos diz respeito, mas todos os três parecem tem uma estrutura em comum. Se a voz do insight foi fruto de Deus, do Mentor, do Santo ou do Self também não é de meu juizo, quero antes entender o que de bom a voz trouxe, e como podemos implementar este insight INCONSCIENTE na vida consciente do sujeito.

Assim, analiso as projeções do mesmo modo que analiso fatos da vigília, pensamentos ou mesmo sonhos. Há pacientes que me relatam estupros paternos que, creio, aparentemente não existiram, a julgar por outros dados que elas mesmos me passam. Mas não sou ginecologista ou viajante no tempo. Embora EU, Lázaro, tenha elementos para crer que a descrição é fantasiosa, o fato psíquico é que a paciente reagiu há décadas a um estupro, criou defesas relativas a isso, e precisa ser analisada como tal. Talvez tenha sido mesmo estuprada, talvez não. Mas dentro de si, foi. As imagens mentais que ela traz da experiência, concreta PARA ELA, falam muito de seu próprio psiquismo. Vale até para a maneira com a qual um paciente conta a semana que passou. Ele conta por seu filtro, com seu vocabulário, ou seja, o OBJETO INTERNO associado ao que existiu "fora" de si. O analista trabalha com isso. Se vale até para a "realidade", vale mais ainda para a projeção.

Nas palavras de Jung, somos psicoterapeutas, investigadores do INCONSCIENTE (a manifestação daquilo que não conhecemos) na psique do sujeito. Quanto às explicações, algumas devemos deixar para a teologia, para a filosofia ou para a parapsicologia. Não é de nossa alçada ou método.

Portanto, o psicanalista precisa ser saudavelmente cético, no sentido pirrônico, de não emitir juizos sobre os relatos. Mas entendo que adotar uma postura de descrença prévia - como muitos fazem - não leve em conta o que o próprio conceito de INCONSCIENTE implica.

Portanto, o psicanalista / psicólogo consciente, a meu ver, não só PODE lidar com essas questões fenomenologicamente, como também DEVE. Ele é ou deveria ser o recurso adequado para que o que não conhecemos sobre nós (inconsciente) tenha uma possibilidade de manejo SEM depender de ciência ou religião. Se rotulamos previamente o paciente com nossas crenças religiosas - ou com nossas descrenças "científicas" - fechamos a ele a terceira via, que seria nosso papel. E, pior, fazemos mal um papel que a ciência ou a religião é que deveriam ocupar.

2) Você falou em DELÍRIO. Bem, precisamos conceituar. Delírios são idéias tomadas como realidade, sem correspondência no mundo real, mas que geram alterações de posicionamento no mundo real, com certo prejuizo cognitivo, social ou funcional. São primos das alucinações, só que estas envolvem (falsas) percepções sensoriais, e o delírio é apenas mental. Se uma pessoa tem ciúme saudável de uma situação real visível (um bonitão dando em cima de minha namorada numa festa), isso é emoção, sobrevivência da espécie e prole, é natural. Mas se o ciumento cria situações imaginárias de perigos ídem, mesmo à distância ou sem motivos, e inferniza sua própria vida e a do "amado(a)" a partir de suas criações mentais, temos um DELÍRIO. A situação não existiu, mas o imaginado fez com que o doente modificasse sua relação com o mundo - para pior - a partir do que "viu" ou "imaginou". Isso é psicótico.

Ora, não me parece ser o caso de uma projeção astral ou fenomenologia espiritual saudável, vindo de pessoa ídem. O projetor sabe que a experiência se deu durante seu sono, em contexto limitado, e não sai andando feito sonâmbulo a partir dela. Seria delírio se, a partir de dados passados em uma (suposta) projeção, o "projetor" acordasse querendo se separar da mulher, ou sair voando pela janela no mundo físico, ou abrisse mão "do ego e da matéria" (como certos discursos religiosos equivocados fazem), ou impondo "verdades astrais" para os demais (como certos gurus e professores fazem) . Aí teríamos uma realidade interna mental deixada de ser tomada para si, para em lugar disso ser imposta para o outro. Delírio, psicose.

Portanto, um não pode dizer que a experiência do outro é delírio APENAS porque não a compartilhou. O "cientista" que faz isso... delira! (mpõe a SUA realidade mental para o outro). O critério científico e psiquiátrico precisa ser melhor que isso: Normalidade, Salubridade, Naturalidade, Funcionalidade. Vale o mesmo para a mediunidade, religiosidade, etc. Como o dito projetor ou médium funciona no mundo? Tem outros traços de anormalidade, de prejuízo psíquico funcional? Tem emprego regular? Relações afetivas estáveis? Formação escolar compatível com sua capacidade? Amigos? Relações de igualdade com os demais? Comportamento sexual e afetivo adulto? Lida bem com o dinheiro, com os limites, com os desejos e vontades dos outros? Ou vive em um mundo fantasioso? Sua experiência espiritual alegada se deu em contexto apropriado? Ora, se alguém para de trabalhar ou deixa de atender a um compromisso para ter uma projeção ou receber um espírito, se deixa um local de lazer em que estava feliz devido a supostas "más influências espirituais", ou se isso se confunde com a realidade em qualquer modo, temos uma situação delirante ou alucinatória, ESPECIALMENTE se imposta aos demais. Vale para o maluco, vale para o guru. Outra coisa bem diferente é uma pessoa ter sua vida normal, e dedicar um momento e um lugar para uma atividade espiritual. Transes assim não podem ser considerados psicóticos (ao contrário, quem acusa incorre em desrespeito constitucional). Do mesmo modo, projeções saudáveis de pessoas ídem que são pessoais e circunscritas ao ambiente de fora da vigília não afetam em nada sua Normalidade (há religiões em todas épocas e culturas, é "normal"), sua Salubridade (não faz mal, não é patologia), sua Naturalidade (ocorre com muitos, sempre, é da natureza) ou funcionalidade.

3) O que garante que este mundo à sua frente não seja um "delírio da mente"? Se estudar a história da filosofia, ou mesmo a religião oriental, verá que esta resposta não é tão simples quanto parece.

Entretanto, temos um acesso FENOMENOLÓGICO ao que chamamos de "realidade". Me parece que há um MacBook Pro à minha frente. Eu lido com esses "objetos" à medida em que se apresentam à minha consciência, mesmo que eu nunca possa vir a saber o que tudo isso que me cerca sensorialmente seja - se é que "são".

Nesse sentido, os estados alterados de consciência (projeção aí incluída) são percepções fenomenológicas DE QUEM AS TEM, e não de quem as julga. Um projetor AFIRMA QUE experienciou determinada realidade, de modo tão real quanto acredito que este MacBook esteja à minha frente. Então isso é uma realidade fenomenológica DELE, válida só para ele. O que chamamos de projeções, via de regra, não são sonhos. São caracterizadas por um estado de lucidez e consciência bem superior ao da vigília. Se eu desconfiar de algumas de minhas projeções (e desconfio), preciso desconfiar também da realidade do mundo que me cerca (e desconfio). Mas de algum modo preciso viver com os fenômenos que experiencio, e nesse sentido, há vida nesta realidade, assim como há na projeção. Não é o OUTRO, que não teve, que pode dizer se quem teve de fato teve, ou não.

Mas, concordo que muitas pessoas fantasiam que certas experiências mais parecidas com sonhos teriam sido "projeções", "realidades astrais". Isso talvez porque seja difícil lidar com a atitude que nossos processos inconscientes - sonhos inclusive - nos pedem. Melhor dizer que foi tudo uma "visita astral", que além de reforçar o nosso ego, ainda dá o caso por encerrado. Por isso creio que as considerações psíquicas não podem ser desconsideradas do fenômeno espiritual, ao contrário. Cada camada transcendente exige forte fundamentação no patamar anterior. Transcender é incluir. A vida transcende o físico porque o contém. Sem físico, moléculas, átomos, não há vida. A mente transcende a biologia porque a contém. Sem células, não há mente. Com cérebro físico defeituoso, teremos problemas nos processos mentais. As camadas superiores INCLUEM as demais. E portanto, sem mente e psiquismo, não teremos as camadas ditas astrais e espirituais, como as acessamos aqui. Portanto, é IMPOSSÍVEL uma boa fundamentação espiritual SEM uma boa fundamentação psíquica, biológica e física. Mentes sãs em corpos sãos, diziam os antigos gregos. E espíritos sãos em psiquismos sãos.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

É mais difícil resolver questões ligadas à repressão excessiva ou à falta de repressão/limites?

É mais difícil resolver questões ligadas à repressão excessiva ou à falta de repressão/limites?

Todo EXCESSO é imprevisível, não sabemos como o traumatizado lidará com o que sofreu, e me parece que é ele que interessa.

Mas se falamos conceitualmente, de para que lado é melhor errar, tendo a acreditar que é melhor que haja alguns limites e valores do que nenhum. Em tese, um pouco de recalque é natural, é inerente à sociedade (socializar-se implica em superego, em nos "formatarmos" e "contermos", afinal, ninguém anda pelado ou roubando comida por aí). Repressões estão estatisticamente ligados às neuroses. Podem gerar depressão, estados compulsivos, dentre outros, em geral tratáveis de diversas formas. Já a falta de limites está estatisticamente associada a transtornos de personalidade, à dependência química (drogas), a sociopatias, a estados de ansiedade graves, a dificuldades de adaptação social (socializar-se implica em conter-se). As psicoterapias são mais difíceis no segundo grupo. As medicações necessárias para o segundo grupo também são bem mais complexas, e praticamente indispensáveis. E os mecanismos de defesa do primeiro grupo tendem a ser mais "neuróticos", ou seja, de terceiro nível, enquanto os do primeiro podem mais facilmente cair nos "narcísicos" ou "imaturos" (ou seja, os de primeiro e segundo grupo).

Mas trata-se de uma generalização, téorica. Eu preferiria errar educando mais do que menos. Os processos psíquicos questionadores da adolescência, e a própria evolução da sociedade e costumes já trazem mecanismos de controle para irem além dos limites e equívocos dos pais. Já no caso da falta de limites - ou, pior ainda, de aparente "excesso" de limites sem atitudes e exemplos equivalentes - a adolescência e desenvolvimento não tem como reparar tão fácil. Ao contrário, uma adolescência assim pode ser trágica, e às vezes moldando o caráter e escolhas para sempre. Lembrando que EXCESSO de limites muitas vezes é uma outra forma de FALTA de limites. Não adianta o pai fera fazer discurso contra as drogas e ócio enquanto se embebeda diante do futebol de domingo, ou desrespeita todos os limites e convenções. Tendemos a chamar esse tipo de pai rígido, mas é justamente o contrário, sendo o PIOR TIPO de "falta de limites", aquele em que as regras sequer tem sentido ou aplicação, sendo tomadas praticamente como um convite à desobediência.

Um professor meu do Instituto de Psiquiatria da USP sintetiza isso brincando. Sendo assumidamente o "pai fera" de uma bela filha adolescente, lembra que "se errarmos a mão, os filhos neuróticos sempre poderão fazer psicoterapia depois, como fizemos um dia para resolvermos questões relativas a nossos pais". Entretanto, segundo ele, caso forme uma adolescente sem caráter, sem profissão, sem educação de base, sem socialização ou mesmo psicopata, não há tanto como resolver mais adiante. Ele lembra, brincando: "Eles ainda não tem córtex frontal desenvolvido! Até os 20 anos, o córtex frontal dos filhos PRECISA ser o dos pais." Acrescentaria o dos professores e religiões, que também tem importante papel nessa formação do caráter social.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Quando você está parado no sinal de trânsito ou em qualquer outro lugar, e vem alguém pedindo dinheiro, você dá? Por que sim, ou por que não? Dá quanto, em média?

Em geral, não dou mais. Moro em São Paulo, e nas grandes cidades, isso virou uma atividade profissional.

Ajudo o mundo de outras formas: doando sangue, ajudando instituições que trabalham com velhos e crianças, pagando mensalidade a ONGs que atuam na defesa do meio ambiente, levando informação às pessoas, atendendo a uma quota de pacientes que não podem pagar muito, tentando ser uma pessoa melhor, e outras formas de ajuda - financeiras ou não - que não fazem sentido divulgar.

Entretanto, se não dou DINHEIRO na rua a mendigos profissionais, tenho uma incapacidade de negar comida, em caso de pedidos sinceros. Mas nunca dou o dinheiro para comprar.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa: