sexta-feira, 28 de abril de 2017

Falácias, torcidas e manifestações

Desconstruir FALÁCIAS é missão de todo filósofo. As redes sociais hoje estão cheias delas. Sócrates é mortal, mas nem todo mortal é Sócrates. 

Imaginem o fato: «Quando chove, o chão molha.» Daí a internet "conclui" com a mesma "certeza" que:

A) O chão está molhado. Logo, choveu. 
B) O chão não está molhado. Logo, não choveu.
C) Não choveu. Logo, o chão não está molhado.
D) Choveu. Logo, o chão está molhado.

Entretanto, note que A e C são falsas. Dona Maria pode ter lavado a calçada. Só B e D são raciocínios logicamente válidos. Mas é justamente A e C que são usados - por ambos os lados - para fabricar os memes políticos (ou futebolísticos, não há mais diferença) de sarcasmo e má fé.

Este texto é sobre estrutura lógica, e não sobre premissas políticas. Não pretendo discutir meteorologia ou a falta de consciência ecológica de Dona Maria. Dito isso, troquemos agora o chão molhado de Sócrates pelas premissas desta semana, numa versão razoável. Talvez não sejam unânimes para uma minoria radical, mas não são o meu alvo.

1) Reformas são NECESSÁRIAS. Trabalhista, previdenciária, política, tributária. O país e o mundo mudaram muito nessas décadas. A China comunista tem livre iniciativa, a Inglaterra liberal tem impostos altos e direitos sociais.
 2) Entretanto, os piores representantes que já tivemos em Brasília estão se aproveitando do (justificável) "ódio ao PT" para aprovar QUALQUER COISA, não do interesse do país, mas apenas deles próprios e de quem os financia lá.

Ora, voltando a Sócrates: Hitler era vegetariano, mas nem todo vegetariano é nazista. O PT se diz de esquerda (há controvérsias, devido às relações promíscuas com o capital), mas nem toda esquerda é petista - ou corrupta. Bolsonaro se diz de direita (há controvérsias, pois ditaduras implicam excesso de estado incompatível com o neoliberalismo), mas nem toda direita é Bolsonarista - ou autoritária. 

Tudo fica mais complicado quando temos duas situações que tem torcidas contrárias mas nem por isso sejam mutuamente excludentes. Por exemplo, iniciativa privada e economia moderna são coisas boas. Justiça social e serviços básicos garantidos também. Como disse, em algum nível tanto a Inglaterra "capitalista" quanto a China "comunista" conjugam os dois. Entretanto, a "torcida" do liberalismo econômico é, em geral, oposta à torcida da aplicação social dos impostos. Na teoria isso faz algum sentido (há controvérsias, pesquisem por "political compass"). Na prática esquerda e direita "lineares" são hoje conceitos teóricos e utópicos. Uma leve tendência de posicionamento, não um "regime" ou uma implementação.

Então, voltando às falácias: Nem todos que vestem amarelo estão lá pelo MBL ou pela ditadura de Bolsonaro, nem todos que estão a favor da greve de hoje estão lá pela CUT ou pela impunidade de Lula. Creio até que poucos das ruas aprovem o método "os fins justificam os meios" de MBL's, CUT's, Ditadores e MTST's. Mas isso não significa que todas as causas (amarelas ou vermelhas)  sejam injustas, nem que seja proibido concordar com eles em ALGUMA coisa.

Outro exemplo: Alguém pode gostar de 10 artigos da nova CLT e mesmo assim ser extremamente prejudicado por "apenas" dois ou três que foram aprovados sem debate ou consideração com a população. Isso não significa aprovar impunidade para Lula (nem para Aécio, Serra, etc), nem querer excessos dos sindicatos - embora nada impeça que alguém concorde - ou discorde - com as três "causas" ao mesmo tempo.

Não há incoerência ou "isenção" em compreender (ou tolerar) interesses (aparentemente) opostos, mas para isso precisamos ir além das falácias, preconceitos e generalizações. Empresários, profissionais liberais e trabalhadores se sentem prejudicados pelo governo. Cada um tem suas próprias reivindicações - e culpados favoritos. Por outro lado, políticos, bancos e associados ao poder parecem se dar bem. 

Um outro fato além das falácias: Assalariados perdem aposentadoria e direitos apesar da crise, bancos têm anistia tributária apesar dos lucros. Não se trata de posição política. Isso é ilógico em qualquer época ou país. Ou desonesto, se preferir. No último ano, não tem sido mais esquerda contra direita: é o estado e o congresso promiscuo contra (todos) nós. Discernir esta obviedade não significa (necessariamente) aprovar o governo anterior.

O direito de manifestação é indispensável à democracia. Posso não concordar com todas as reivindicações, mas jamais serei contra o direito de alguém se indignar e se manifestar. A maioria das oposições baseiam-se mais em falácias e preconceitos do que em argumentos ou razão. Ora, apenas regimes autoritários criminalizam o pensamento divergente. 

Amarelos e vermelhos não são tão diferentes assim, estruturalmente. Todos queremos um país melhor. Falácias não vão nos ajudar. Manifestações, talvez sim.

.


OBS: Todo texto é parcial, nem que seja em favor do caminho do meio 😉. Mas apesar da conclusão, este post é sobre lógica e não sobre premissas políticas ou meteorologia.  Não pretendo converter aqueles que já se decidiram pelo maniqueísmo passional. Toda história tem pelo menos três lados, incluindo a síntese embutida na antítese, nunca há  "equilíbrio" nas extremidades. Minha motivação é apontar falácias de raciocínio lógico que levem a desnecessárias intolerâncias e guerras entre irmãos.