terça-feira, 27 de setembro de 2011

Já vi você comentando, caso o paciente tenha interesse, sobre a utilização do I Ching ou Tarot na terapia. Como introduzir/anunciar isso na psicanálise? Seria necessário algum curso de Jung para melhor enfoque/proveito? Indicações aqui em SP de Jung?

1) Se o terapeuta utilizar ferramentas deste tipo, não se trata mais de psicanálise. Sem julgar a veracidade do que um instrumento divinatório qualquer possa (ou não) dar, a questão é até de MÉTODO: Psicanálise implica em interpretação do conteúdo do paciente. Ou seja, não é o analista quem "diz" algo de novo, ou "dá conselhos", pois se fizesse isso (mesmo que via uma ferramenta, ou uma suposta conexão espiritual), quem estaria falando seria o inconsciente do terapeuta, e não o do analisando. Ou seja, psicanalista não tem como dar sequer "conselhos", pois ele não é "terapeuta", "conselheiro", "mestre ou "clarividente" ali (mesmo que seja em outro lugar), e sim "analista". Ouve, interpreta. Sua opinião não conta, mas sim sua interpretação.

O problema é que ferramentas divinatórias, métodos alternativos, curas espirituais, clarividências e afins IMPLICAM em fazer valer algo que o terapeuta sabe, ou acha que sabe, e o paciente não. Muda o foco. Vira, de algum modo, uma venda de conselho: seja baseada na sabedoria, espiritualidade ou experiência do consultor; seja na crença em alguma energia ou presença espiritual inerente à egrégora ou ao instrumento.

PARTICULARMENTE, gosto de algumas ferramentas divinatórias e conheço alguns coordenadores espirituais de grande sabedoria e, na minha visão, profunda conexão com o transcendente. Eu mesmo tenho minhas crenças e práticas, extra-consultório, em fórum íntimo. Mas aí não se trata mais de psicanálise. Um psicanalista pode ser católico ou protestante - Freud era judeu - e é claro que não fará seus cultos dentro da sessão analítica. Do mesmo modo, não há nada incompatível em um psicoterapeuta ser espírita, espiritualista, pagão, budista, hinduista, devoto do candomblé ou o que for. Desde que, é claro, não baixe o santo nem se denomine "o médium", "o clarividente" ou o que for no meio da sessão, nem saia dizendo que está "sentindo" que o problema do consulente é tal.

2) Dentro das possibilidades transpessoais e para-junguianas, em campo já longe da psicanálise, alguns profissionais se utilizam de ferramentas divinatórias em clínica - tais como astrologia, i-ching e tarot - como instrumentos de (suposta) prospecção, ou interpretação de sincronicidades. Crer nisso implica na aceitação de alguns pressupostos além de Freud, e que já tocam mais em sincronicidades, arquétipos, símbolos e inconsciente coletivo (mais típicos da psicologia analítica de Jung).

Ainda assim, um profissional mais sério (em psicoterapias) que opte por utilizar desses instrumentos precisa ter um cuidado metodológico maior que a média para não substituir a interpretação pelo acaso. Ou seja, um astrólogo mais junguiano pode optar por partir sua investigação do inconsciente das informações que um mapa astral (supostamente ou fenomenologicamente) lhe daria sobre o paciente, acelerando o processo. Mas a partir daí, a necessidade de análise e interpretação continuariam do mesmo modo, a partir da identificação ou recusa do consulente em relação a cada uma das "previsões" apresentadas. Lembrando sempre que se por um lado há bons profissionais que trabalham deste modo, seja por sua base junguiana (seja por sua sensibilidade em particular, seja por algum outro meio que não conheçamos ainda), de todo modo ISSO NÃO É MAIS PSICANÁLISE.

3) Cursos de Jung não ensinam ferramentas divinatórias. Pelo menos não os mais sérios. Há muita confusão a esse respeito. Jung não era um tarólogo ou esotérico, até onde saibamos. Ele era um médico e investigador do inconsciente, apresentando seus resultados da maneira mais científica quanto possível para a época e tema, e trabalhando com a psique, com a loucura e com o fenômeno espiritual, INVESTIGAVA também as causas de "coincidências" estranhas, "sincronicidades", alguns estados alterados de consciência e a repetição arquetípica de certos padrões. Entender como isso ocorre em um mapa astral ou tirada de I-Ching é assunto junguiano, inclusive academicamente. Já se tornar um tarólogo, astrólogo ou mestre taoista, certamente não. Nada contra, mas o próprio Jung nos lembrava que nosso compromisso é com pacientes neuróticos ou psicóticos da clínica, no campo da psicoterapia. Segundo ele, podemos OBSERVAR fenomenologicamente certas ocorrências, e até dar conta delas, mas suas "explicações" não seriam de nossa competência ou responsabilidade, cabendo mais deixá-las, segundo ele, "para a filosofia, para a parapsicologia ou mesmo para a teologia". Ou seja, ele admitia a existência de questões metafísicas influenciando a psique, mas entendia que o clínico não precisaria (ou deveria) se adentrar na suposta CAUSA (provavelmente incognoscível) desses fenômenos, sendo mais sensato *considerá-los* (não descartá-los) e interpretá-los a partir de como se apresentam e do que parecem (simbólica ou metaforicamente) querer dizer.

O que ocorre é que grupos esotéricos, divinatórios ou místicos, querendo dar um "ar acadêmico" (pseudo-acadêmico) às suas crenças e práticas, muitas vezes se APROPRIAM do pensamento do Jung, que parece mais próximo de suas crenças do que outras correntes da psicologia. Há quem faça isso com uma certa inocência reducionista e boa intenção, apenas por ignorância do que Jung realmente seja, embora alguns façam isso de má fé mercantilista. Mas em geral, a idéia é que "ah, se ele fala de inconsciente coletivo e sincronicidade, então aí há uma possibilidade de que aquilo em que eu acredito tenha uma explicação possível, no terreno junguiano". Sim, há a POSSIBILIDADE (se há inconsciente coletivo, TALVEZ alguma telepatia seja possível, em ALGUNS casos), mas o erro é pensar que apenas por isso já seja uma CONSTATAÇÃO ou ENDOSSO de QUALQUER COISA que se praticar ou acreditar. Equívocos semelhantes ocorrem também em relaçao à física quântica: Não é porque uma partícula subatômica possa aparentemente desaparecer ou parecer estar em mais de um lugar que eu possa atravessar paredes, nem "provar cientificamente" que aquilo que eu pensar IRÁ se realizar, só porque PODE SER que se realize.

Portanto, se você vê um esotérico que se pretenda sério (seja ou não), ele provavelmente tentará alegar a teoria junguiana (ou até a física quântica, risos) em seu favor. Mas isso não quer dizer que a teoria junguiana em si (e menos ainda a física quântica) sejam escolas de ferramentas e práticas esotéricas. Sérias ou não.

4) A UNIP está com uma pós graduação em Jung que parece bem razoável. Pesquisando na internet, encontrei também há algum tempo uma especialização em Jung com Waldemar Magaldi, na Vila Mariana, reconhecido pelo MEC e formando psicoterapeutas junguianos. Não o conheço, mas o discurso e o programa me pareceram sérios e consistentes. Avaliem por vocês mesmos: http://www.ijep.com.br/index.php?sec=cursos&id=10&ref=psicoterapia-junguiana#conteudo

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

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