quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Terapia a distância dá resultado? Ouvi no rádio que psicólogos agora estão atendendo via Skype...

Não, não dá o mesmo resultado. Psicanálise à distância é quase uma contradição, em função do setting e transferência. Quem mais adota terapia à distância são as terapias do ego, as cognitivo-comportamentais e as terapias alienantes, bem como os "vendedores de conselhos". 

Psicanálise séria não é isso, e depende da análise da transferência, em ambiente isolado. Como o paciente chega, como se porta, como se dá a relação "esterilizada" com o analista em uma sala diferenciada. Isso fala mais do funcionamento psíquico da pessoa do que a própria "história" que ela conta (que muitas vezes é parcialmente falsa, ou encenação, o que não importa). 

Portanto, quem faz esse tipo de atendimento faz no máximo "aconselhamento", ou venda de auto-ajuda personalizada à distância. Isso não é nem 5% das possibilidades clínicas. Em um caso de emergência, poderia até ser, excepcionalmente. Mas sabendo que se trata de counseling raso e pontual (como nos serviços de escuta), não dispensando jamais as práticas clínicas e transferenciais.

Há mais um fator, que é o do clientelismo, da concorrência desleal. Psicanalista não é verdura na feira. A escolha do analista é parte da relação de cura, e ela precisa poder fazer isso livremente, por identificação psíquica, algo quase "inconsciente". A oferta de atendimentos "fáceis", à distância ou (predatoriamente) "promocionais" na verdade PREJUDICA a todos, inclusive aos pacientes, uma vez que interfere bastante na possibilidade de livre escolha dele. Alguém que já está resistente sempre preferirá algo descompromissado e à distância do que algo que lhe peça envolvimento, tempo, esforço. Nesse sentido, a terapia pode estar agindo em sentido contrário ao que deveria.

E se eu ofereço aqui em São Paulo terapias via internet, estou fazendo concorrência desleal aos meus colegas de Salvador, de Quixeramobim, de Lages, de Caixas do Sul. Estou desincentivando as pessoas de várias cidades a procurar profissionais para estabelecer uma relação analítica autêntica e compromissada! A pergunta é PORQUE EU FARIA ISSO, se sou um bom profissional, o que implicaria em agenda cheia? Será que estou tão sem clientes assim? Porque será? Talvez por isso, em geral, quando alguém me mostra um "terapeuta" que faz "psicanálise e psicologia" à distância, eu geralmente mostro alguém recém-formado, ou com mais tempo livre do que alguém competente e bem-indicado costuma ter.

Há exceções, claro. Mas elas são ocasionais. Por exemplo, um estudante de psicologia do interior do Mato Grosso que precisa de um supervisor clínico com base junguiana E winnicottiana; ou uma ex-paciente minha que acaba de se estabelecer em outro país, ainda com barreiras linguísticas, financeiras e culturais, mas já precisando de atendimentos eventuais.

Há anos estudo um modo de fazer atendimentos à distância, devido à grande procura. Mas como sou criterioso, o fato de há anos eu não ter resolvido todos os problemas envolvidos me parece um sinal de que a maioria dos que "atendem à distância" estão em geral mais preocupados em clientelismo do que em preservação do setting. Como quero crer que sejam bem intencionados, imagino apenas que SEQUER lhes ocorreu pensar em 0% dos alertas sérios que problematizei. Isso não me parece um bom sinal.


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