quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Quando alguém morre, como a psicanálise pode ajudar? Se ela não considera o além do físico, o que poderia fazer por fobias que vem de outras vidas, obsessão de gente desencarnada, magia, etc?

Quem é "a" psicanálise, esta mulher que não acredita em nada?

Conheço psicanalistas de todas as crenças - em minha clínica há psicanalistas ateus, evangélicos, espíritas, seicho-no-ie e espiritualistas - assim como conheço médicos, arquitetos, engenheiros e professores de todas as crenças.
A arquitetura não considera a vida após a morte, como uma casa poderia me ajudar, sabendo que pessoas morrem nelas?

Psicanálise não é uma crença herética ou senhora atéia, é apenas um método, um conjunto de conhecimentos, que como qualquer outro tem a sua delimitação. Isso não implica não haver nada além dela, apenas não é necessário multiplicar as variáveis infinitamente. Um médico não para de lhe operar para discutir se seu tumor veio de outra vida. Mesmo se ele for espírita.

A questão é: QUEM DISSE que a fobia veio mesmo de outra vida? E, se veio, que PRECISA ser tratada lá e não aqui e agora, onde se manifesta? QUEM DISSE que o motivo de uma psicopatologia é mesmo a crença em um suposto "obsessor desencarnado" ou "agente mágico"? E, se for, que o manejo psicológico disso deva ser deslocado da psique para o campo na suposição, do invisível e da religião?

Ainda que seja essa mesma a causa de UM caso em particular, teríamos o direito de vender nossas crenças ao paciente como forma de terapia? E, pior, semear o medo do invisível nos demais, que nem apresentavam essa causa em suas patologias, pois é sabido que a gigantesca maioria consegue encontrar explicações NESSA vida e atitudes mesmo? E pensando neste UM que realmente tivesse causalidade em algo invisível ou distante, qual seria o nosso papel como psicoterapeuta? Fazer fofoca de sua vida passada? Alimentar a nossa curiosidade e a dele sobre "O QUE" haveria causado? Não seria mais honesto e eficiente entendermos, nós e paciente, que a questão é o "COMO" do agora do que o "O QUE" ou "QUANDO" do passado? Por fim, evocando a psicologia mais humanista e transpessoal, bem como o counseling, qual a vantagem de colocar aquele paciente em contato com o seu PIOR de um passado que sequer vê? Ora, a cura transpessoal parte do contato com o núcleo saudável da psique. Ainda que justificássemos uma investigação do invisível, uma fofoca akáshica sobre sua (suposta) vida pregressa, o risco disso justificar culpas é maior do que o benefício que essa culpabilidade venha a trazer. Curar por meio da culpa - especialmente da culpa em relação ao invisível - não é o que eu chamaria de honestidade terapêutica.

Ora, mesmo considerando que possam ter sido causados em esferas invisíveis - ninguém viu, tudo não passa de interpretação simbólica baseadas em crenças prévias de paciente e/ou terapeuta - não é sabido, espiritualmente, que isso se dá por SINTONIA, por pensamentos+sentimentos+atitudes? Que a vida passada se manifesta no eu-aqui-agora, e que a vida futura é determinada pelo mesmo eu-aqui-agora? Que qualquer obsessor ou ameaça invisível só poderia atuar havendo atitudes psíquicas compatíveis, que o convidem?

Não dizem os religiosos que a saída é o "orai e vigiai", não dizem os espíritas que a resolução se dá por "reforma íntima"? Pois bem, as psicoterapias trabalham nesse VIGIAI e nesse ÍNTIMO, sem exigir a "oração ou a reforma (conversáo religiosa) de ninguém. Religião é assunto de fóro íntimo, indispensável, e trata de outras questões filosófico-existenciais. Não é necessário que o médico ou o psicólogo VENDA suas crenças particulares para poder tratar o necessitado, e essa prática poderia ser vista até como um desrespeito ou falta de ética. Desse modo, me parece mais questionável uma "terapia" que, delimitando o físico, foque no invisível do que aquela que respeita as crenças de terapeuta e paciente, mas metodológica e eticamente as deixam fora do setting - a não ser como possibilidade de interpretação simbólica e possibilidade transpessoal.

Note que uma coisa é usarmos o transcendente como função de individuação, ampliando nossas possibilidades, e trazendo acréscimos do dito espiritual. Isso implica interpretar símbolos trazidos pelo paciente como possibilidades do Self, ou de contato com naturezas psíquicas mais sutis, ou como instâncias arquetípicas que nos trazem dados além do inconsciente individual - em geral, propondo um ORIENTE a seguir. Isso fazem, de algum modo, os junguianos, logoterapeutas, winnicottianos, wilberianos e afins. Isso tira a pessoa de seu ponto de desconforto a partir da possibilidade de novos caminhos e paradigmas. Isso é TRANSpessoal.

Outra coisa bem diferente é usarmos o invisível como o terreno das doenças imaginárias, da origem das culpas e expiações, da conversão automática de cada transe, visão ou sonho figurado em uma manifestação literal de crenças prévias; da visão do inconsciente, do passado e do além-físico como uma ORIGEM, geralmente negativa. Isso tenta mudar a pessoa hoje a partir de uma culpa, da visão de algo sempre pior ainda, que de algum modo "justificaria" o sofrimento pelo qual ela passa. Isso a aproxima da origem complexa de suas neuroses, sem sequer dar resignificação. Tomar o invisível assim me parece mais PRÉpessoal.

Sendo este tipo de acesso PRÉ-pessoal um contato com a parte doentia da psique, sem manejo adequado e interpretação (pois a considera como literal, e não simbólica), corre-se o risco de transformarmos qualquer neurose prévia em fobia, só curável a partir da culpa em relação a atos passados. E como dito na resposta anterior a essa, CULPA gera doenças físicas e suicídios indiretos. Se agimos assim, será mesmo que curamos alguém, ou apenas deslocamos sintomas, alienando o paciente a partir de NOSSAS próprias crenças?

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