terça-feira, 29 de março de 2011

Um amigo pegou um caso de incesto entre mãe e filho, com tentativa de suicídio do rapaz, e se sentiu incapaz de trata-los, por causa de seus preconceitos. Já teve algum paciente que não conseguiu tratar? Ou algo que pense não conseguir tratar?

Em geral gosto de desafios, e como sou PSICANALISTA, e não terapeuta, eu SEMPRE analiso (sozinho e com minha supervisora) os motivos inconscientes que teriam gerado esta suposta minha contra-transferência, isto é, os MEUS sentimentos e julgamentos pessoais que estão interferindo no método.

Psicanálise e Psicologia Analítica são diferentes de todas as outras abordagens JUSTAMENTE por trabalharem em cima da transferência e contra-transferência. Isto é, não é o juizo moral do Lázaro que interessa à sessão, e menos ainda meus "conselhos", por melhor que fossem. Temos sérias críticas às psicoterapias que mais vendem experiência e dicas do que análise, isto para mim seria quase ser um "prostituto da amizade". Não é isso que é psicoterapia analítica séria, é preciso se dissociar do próprio julgamento. Note que isso não é negar que exista, mas sim reconhecer o desejo do analista (ou julgamento) e tratá-lo em outro viés.

Não estou ali por amizade ou envolvimento, certo? O que se passa diante de meus olhos e ouvidos são histórias de seres humanos, o melhor que puderam fazer em suas existências dentro de suas condições. Então qualquer sentimento meu - desejo, julgamento, repulsa, incômodo, expectativa, etc - não deixa de ser também uma contaminação de meu inconsciente no processo. Seria um desperdício deixar de analisar isso, ainda mais lidando todos os dias com tantos sonhos e relatos diferentes.

Portanto, se eu me recusasse de modo inconsciente a atender um caso de incesto entre mãe e filho, por causa de preconceito e repulsa, eu me perguntaria imediatamente como estaria o MEU complexo de Édipo, o que eu não queria ver sobre os meus desejos em relação à minha mãe, a disputa com meu pai, e porque raios um relato edipiano assim - tão clássico para qualquer praticante de psicanálise - conseguiria me atingir tanto a ponto de eu não poder exercer meu trabalho. Note que, por tudo que estou dizendo, eu não levo a sério nenhum terapeuta, psicanalista ou similar que não faça a sua própria terapia e supervisão. Se a pessoa de fato acredita e identifica o inconsciente, então inevitavelmente estará ciente dessa necessidade, e da presença do seu próprio interferindo na sessão, e pedindo análise do analista. E se a pessoa acha desnecessário fazer terapia, tenho que me perguntar o que está fazendo nessa profissão, se não acredita em análise nem mesmo para si próprio.

FINALMENTE, considero possível não atender por motivos ÉTICOS, em alguns casos; e principalmente se a prática analítica implicar em violação legal, conivência com crimes e omissões. Também entendo que o analista tem todo o direito de não aceitar um paciente, assim como o paciente ao analista. O que destaquei nos parágrafos acima é a "repulsa" ao atendimento por "preconceitos" ou atuação do inconsciente do analista, como pareceu ser o caso. Ainda assim, se o analista julgar que o seu preconceito ou julgamento interferirá no caso, e/ou que não conseguirá separar adequadamente a contra-transferência, ele pode e deve passar o caso para um colega, mas isso em favor DO PACIENTE, e não da defesa de seu preconceito.

Eu particularmente não gosto de atender casos em que o analista terá que ser conivente, tolerante ou atenuante com violências físicas, morais e sexuais; em geral em casos de sociopatia e psicopatia. Não se trata, porém, de repulsa ou préconceito, nem impossibilidade inconsciente minha de acomopanhar os casos, pois já os atendi com sucesso. Mas sabendo que consigo, sem interferência, e exatamente por isso, prefiro me reservar o direito de não TER QUE ser pago para ajudar a manter situações que minha própria ética, vida, espiritualidade e filosofia trabalha em sentido contrário. Seria me tornar um prostituto, não mais da amizade, mas da técnica. Tanto pior.

Fala que eu te escuto... Pergunte-me qualquer coisa:

Nenhum comentário:

Postar um comentário